quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Seleção que me desculpe





A primeira lembrança que tenho de uma Copa data de 1974. Eu era um moleque de seis anos mas pelo que ficou na memória, sem muita noção do que era o mundo mas com uma consciência clara do que era o jogo de bola.  E o que se passou na época é que meu irmão mais novo com um problema na perna tinha de ficar o dia inteiro na cama. E para lhe fazer companhia eu ficava ali ao lado de olho na TV. Lembro que assistimos juntos muitos jogos. E se o Mundial seguinte  disputado na Argentina, pareceu mais próximo de nós,  certamente não foi apenas por uma questão geográfica. Àquela altura o futebol já tinha tomado nossas vidas. 

E se infelizmente não está entre as memórias guardadas a de Rivellino abrindo o placar com a  Argentina em 74, a de 78 serviu não só para tornar mais clara a rivalidade que alimentávamos a respeito dos nossos vizinhos, como também pra deixar claro que o futebol estava sob a influência de outras forças.  O jogo armado entre eles e os peruanos incomoda até hoje. Como até hoje lembro como era perigoso o tal do Kempes. Do Mundial de 82, tão cultuado, já tive a oportunidade de falar em outros momentos. Pegou minha geração em cheio. Todo o encanto que tínhamos com relação ao futebol de alguma forma se materializou ali. 



Não vou aqui ficar falando desse ou daquele lance. Prefiro neste momento dizer a vocês que a alegria que as vitórias brasileiras naquele mundial, de tão fortes, ainda hoje estão em mim de um modo muito vívido. Depois disso o caminho até os dias de hoje, mesmo com os títulos que vieram, parece um pouco uma coisa só. É meio cruel a análise. Mas esse meu ofício contribuiu deveras para isso. Costumo encarar as coisas de um modo sério, distante. O que acabou por transformar essa minha relação com a seleção - e de certa forma com o futebol - em algo meio cirúrgico, pensado demais. O que, vale dizer, considero virtude. 

À parte esse distanciamento necessário sempre considerei o time de Tite competitivo. Vejo que o momento soa mesmo muito favorável à Seleção Brasileira. Mas a hegemonia continental da nossa Seleção pode ser traiçoeira. Essa realidade que nos impede der pela frente as seleções europeias entre um mundial e outro. E os jogadores quase todos vestindo camisas que não são as dos nossos clubes, tudo isso ajuda a amparar essa frieza que quero crer não é só minha. Do talento não se diz.  Ele está muito além dos atacantes que sempre foram as estrelas do espetáculo. Não é preciso pensar muito para imaginar o que deve, em termos de respeito, significar a presença de Casemiro em campo. Ou o fato de o Brasil ter tido o mais caro jogador da última janela de transferências do velho continente. Por mais que cifras sejam sempre contextuais.  

O caminho parece mesmo aberto ao time e ao técnico Tite. Um caminho que mostrou que há alternativas além de Neymar. Mas ele, dizem, anda voando e isso é primordial.  Temos ainda a indiscutível excelência dos nossos goleiros. Agora, vencer uma Copa é equação complexa, envolve muitos fatores. O talento é só um deles. Talvez dependa até da sorte. Enfim, a Seleção que me desculpe por esse viés exigente, mas que saiba que pra mim carrega o peso da história sobre a qual passei a tomar consciência quase cinquenta anos atrás esticado ali na cama ao lado do meu irmão vendo a tal da Holanda que todos diziam ser incrível. E eu viria a saber que era mesmo. E que mostrou que, às vezes, não se entra pra história só ficando com a taça.  Como, aliás, mostrou a nossa Seleção de 82.           

 

Nenhum comentário: