quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Caríssimos ouvintes

Não foram poucos os momentos em que me peguei tentando descobrir, ou melhor, tentando encontrar, guardada em algum canto da memória, a imagem do primeiro contato que tive com uma bola. Mas essa insistente viagem em direção ao passado se aprofunda, aprofunda e, de repente, se dissolve. Não chega a nada. Nesse sentido o rádio me traz uma sensação muito parecida. Impossível lembrar quando o som desse mágico aparelho me invadiu os tímpanos pela primeira vez, o que pode ajudar a explicar a razão pela qual o rádio e o futebol, ao longo da história, fizeram tão brilhante parceria.

Os chiados radiofônicos mais distantes, por certo, partem desse mesmo baú.E hoje, veja, hoje é o Dia do Rádio. Lembranças dessas ondas mágicas são muitas, e não se resumem a narrações eloqüentes de históricos jogos de futebol. Com certeza o criador de tão difundido invento jamais imaginou que um dia o tal aparelho seria tido, por muita gente, até como um verdadeiro antídoto à solidão.

Quando menino, no velho sítio da família, no Vale do Ribeira, era quase um ritual dormir ouvindo a "Turma da Maré Mansa", um programa humorístico-jornalístico que vinha não se sabe de onde, nas únicas ondas com talento suficiente para driblar os morros abarrotados de pés de bananeira e adentrar a antiga casa de madeira que ficava no fundo de um vale. Televisão por aquelas bandas, nem em sonho.

Nesse mundo moderno e veloz em que a tecnologia ameaça tornar obsoleta qualquer criação, o rádio ainda impera e ostenta a elegância dos nobres. O fizeram de tamanho menor, lhe deram outros desenhos, lhe revestiram de outros materiais, mas sua essência continua a mesma.

Desculpe se esse papo não faz o menor sentido pra você. Se você não busca no dial um ponto pra saber as notícias sobre seu time, se você no carro não apela pra ele quando bate aquela vontade de saber o que se passa no mundo, se você não lembra que ele pode encher seu dia com ritmos que não fazem parte da sua discoteca. Você pode ser um tipo diferente, capaz de olhar o rádio como algo supérfluo.

E o que tornou essa trajetória ainda mais lírica foi o fato de que o rádio talvez representasse muito menos, se não tivessem existido grandes homens dispostos a enchê-lo de sentimentos. Se não tivessem existido homens dispostos a contar pra qualquer um a maneira interessante que eles tinham de ver o mundo, ou um simples jogo de futebol, se é que um jogo de futebol pode ser simples. Nelson Rodrigues dizia que "a mais sórdida pelada é de uma complexidade Shakesperiana”. E eu concordo com ele, ô se concordo.

Outro dia, tendo com meu amigo Xico Sá conversa que varava a madrugada, falávamos desses homens que deram ao rádio outra dimensão, e chegamos à conclusão de que se a narração de um Pedro Luis fosse transcrita para o papel iríamos ficar frente a frente com um novo gênero literário. Não consigo duvidar disso. E tem mais, o rádio sempre fez questão de tratar melhor quem sabe dar asas à imaginação. No rádio toda bola passa mais perto da trave. O rádio fascina, e o futebol deve muito a ele. Nós também.



* artigo escrito pra o jornal "A Tribuna", Santos

3 comentários:

Anônimo disse...

Vladir ,
Na qualidade de quase seu amigo rsrs(estivemos juntos numa peixada de fim de ano na casa do Vavá e trocamos um "lero") , botafoguense das antigas e frequentador do Bar do Celso - santista de 4 costados - na Piracuama e ainda mais de um provecto cincoentão de origem humilde do interior de Minas , permita-me lhe dizer:Que maravilha de cronica!!!! . Das mais reconditas memórias que trago era o final de tarde depois do banho junto com minhas irmãs e minha mãe , todos "pendurados" num "Zenith" ou coisa que o valha ouvindo ansiosos "Jeronimo - o herói do sertão" e também os zumbidos e chiados aos 7 anos anunciando que éramos bi-campeões em 62 . Viva o rádio e aqueles que nem vc que o prezam e dele fazem poesia que nos emocionam
Abraços
Tadeu

Anônimo disse...

Vladir ,
Na qualidade de quase seu amigo rsrs(estivemos juntos numa peixada de fim de ano na casa do Vavá e trocamos um "lero") , botafoguense das antigas e frequentador do Bar do Celso - santista de 4 costados - na Piracuama e ainda mais de um provecto cincoentão de origem humilde do interior de Minas , permita-me lhe dizer:Que maravilha de cronica!!!! . Das mais reconditas memórias que trago era o final de tarde depois do banho junto com minhas irmãs e minha mãe , todos "pendurados" num "Zenith" ou coisa que o valha ouvindo ansiosos "Jeronimo - o herói do sertão" e também os zumbidos e chiados aos 7 anos anunciando que éramos bi-campeões em 62 . Viva o rádio e aqueles que nem vc que o prezam e dele fazem poesia que nos emocionam
Abraços
Tadeu

Anônimo disse...

Maravilha de texto. Parabéns!