sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O treinador, essa entidade



O técnico de futebol é uma entidade indecifrável. Ao mesmo tempo magnética. Não resta dúvida de que o tempo lhes fez exigências. E elas foram sobretudo  táticas e técnicas. A tão lembrada questão que nos desafia a dizer se eles ganham ou não ganham jogo é a mais óbvia das provas de que é impossível determinar até onde vão os efeitos de seus ensinamentos. Sejam eles teóricos ou humanos. Quem acompanha de perto esse universo onde eles orbitam sabe também que de uns tempos para cá uma das maiores acusações que lhes imputam é a de terem se tornado celebridades. E aí vale notar que é uma acusação que recai também sobre a crônica esportiva que, segundo muitos, foi a grande culpada por tê-los alçado a essa condição. 

A coisa é tão complexa que confesso ficar um pouco intimidado diante do desafio de tentar decifrar todos os acontecimentos que os cercam.  E eles se sucedem com uma constância frenética. Coisa que não refresca nem mesmo quando ameaçada pela recente regra que determina alguns limites para trocas ao longo da temporada. Não quero me ater aqui a questão das demissões. Quero ir além delas. O que vejo é que da mesma forma que há uma nova ordem no futebol brasileiro colocando times teoricamente menores em posição de destaque, o mesmo pode ser percebido quando o assunto são os treinadores. É notório como nomes antes incontestes aos poucos foram perdendo espaço.  

Mas creio que também não seja o caso de falar de profissionais que neste momento desfrutam de prestígio, vivem bons momentos. Isso por mais que não consiga parar de tentar decifrar o quanto do sucesso de Renato Gaúcho é técnico e o quanto é humano, emocional. Minha tendência , de modo geral, é me interessar por questões ligadas ao homem. E, sendo celebridades ou não, é impossível negar que de alguma forma eles estão mais nus do que seus comandados. Em caso de dúvida note o quanto estamos mais cientes de seus perfis do que dos perfis da galera comandada por eles e cujo ofício é correr atrás da bola. Essa teoria só cai por terra, creio, quando falamos daquele artilheiro marrento que, querendo ou não,  faz questão de deixar evidente seu comportamento. 

Há algo muito além das escolhas feitas por clubes e dirigentes, há as escolhas feitas pelos próprios treinadores. Mas quando eles são o assunto é preciso esquecer qualquer traço ou possibilidade de eternidade. Está aí o Lisca pra nos mostrar. Não durou dois meses no Vasco, e eu aqui ainda pensando o quanto ele parecia afinado com o América Mineiro com o qual se destacou tanto.  O jovem português Antônio Oliveira outro dia mesmo recebia todos os louros pelo trabalho que desenvolvia à frente do Athlético Paranaense e já era. É uma equação sem solução. A mim já era estranho ver Lisca no comando do Vasco, depois de senti-lo tão afinado com o América Mineiro. E a afinidade parecia gigante com o time, Lisca parecia sedimentar uma trajetória de ascensão. E aí se deu que o homem  não durou nem dois meses em São Januário. 

Por essa ótica nem há muito a dizer sobre a demissão de Fernando Diniz do time santista. Dos roteiros todos o mais comum. Talvez  melhor fosse tentar esmiuçar as razões que fazem muita gente apontar certa incompatibilidade entre Carille e o Santos. Ainda mais agora que a coisa ferveu. Ao mesmo tempo, aí estão jovens como Marquinhos Santos que, aos quarenta e dois anos, já tem mais de uma década de estrada e pelo visto vai  construindo uma trajetória  de respeito longe dos grandes, mas por times de muita tradição, que retratam melhor que os endinheirados o nosso futebol. Ou o calvário de Sylvinho ao chegar ao Corinthians, depois também de ter construído um currículo que beira o impecável.  Mas vai saber o que , no fundo, se faz primordial na vida de um treinador de futebol, essa entidade indecifrável. 


* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna",  Santos/SP 

 

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