sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A leviandade das arquibancadas



Certa vez ao ser designado para cobrir um jogo do São Paulo, no estádio do Morumbi, me vi precisando contornar um grande problema para uma equipe de reportagem com uma missão dessa, gravar o jogo fora das cabines, que naquele dia, não sei bem porque razão estavam todas ocupadas.  Ao recordar agora juraria que não era uma partida de muito apelo, pois o espaço do anel abaixo onde acabamos instalando o tripé e a câmera estava com um número até baixo de torcedores. Pois foi ali que presenciei uma das cenas mais grotescas da minha vida de repórter esportivo. Em dado momento vi um torcedor se aproximar da grade de ferro que separava aquele parte do estádio de uma outra ao lado, onde estava um torcedor adversário. 

Imaginamos  que estávamos prestes a nos tornar testemunhas de mais um bate boca. Mas o que se deu foi infinitamente mais lamentável. Insatisfeitos em somente proferir ofensas os dois passaram cuspir um no outro.  Isso foi mais ou menos no primeiro terço do segundo tempo e, pasmem, assim continuaram até o final da partida. Ignorando totalmente a mesma.  Por essas e outras o ocorrido com o menino Bruninho dias atrás nas dependências da Vila Belmiro  me indignou, entristeceu , mas de forma alguma me causou espanto.  O que também é infinitamente triste. Sobre o fato muito já foi dito, o que me força à humildade de achar que talvez não possa trazer grandes contribuições nesse sentido. 

Mas uma confissão pode ser que caia bem. Diante de fatos como esse me pego às vezes cercado por um certo desencantamento com o fato de dedicar praticamente toda uma vida profissional a esse esporte pródigo em produzir coisas do tipo. Se há algo a comemorar nesses tempos pandêmicos que atravessamos é ter passado quase dois anos sem dar de cara com manchetes noticiando briga entre torcidas. Muitas vezes com registros fatais.  Mas o mundo está mudando e torço, portanto, para que essas transformações convençam e intimidem aqueles que seguem pensando que as dependências de um estádio ainda são uma terra de ninguém. Onde vale tudo. Um universo fora da lei flertando muitas vezes com o bárbaro. O que sejamos sinceros não é novidade para ninguém.  

Arrisco a afirmar categoricamente que não há entre aqueles que vão a estádios com frequência alguém que não tenha testemunhado uma cena de racismo, de homofobia ou de assédio. E isso é grave, muito grave. Mais do que se levantar contra obras de autores consagrados apontando o que nelas poderia haver de inadequado para os tempos atuais , o que é uma insânia,  deveríamos perceber que importa é mudar comportamentos. O que deve ser feito com disciplina extrema, pois como o caso Bruninho evidenciou também o número de pessoas que fez questão de aplaudir o que via foi maior do que o dos que fizeram questão de tratar o fato de maneira bárbara. Como diz um sábio amigo , o mundo está cheio de pessoas boas, mas a capacidade de  destruição das más é o problema. Em outras palavras, basta muitas vezes um ou dois espíritos de porco no meio de muitos bem intencionados para que o circo pegue fogo. E a arquibancada não pode ser uma terra de ninguém.

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