segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Bem agora que nossa pitangueira floriu !

Ô Zé, não achei que a coisa iria complicar assim. Desde que essa história de uma vizinhança descontente começou o horizonte se turvou um pouco. Sei que lei é lei e que ela costuma valer com especial fervor aos que não são amigos, como sugere certa frase famosa que você já deve ter ouvido. Também imagino que na tua idade a paciência para desfiar rosários burocráticos quase não exista. Tem sido triste ver a porta de ferro teu bar cerrada. E você bem sabe que ultimamente eu vinha sendo, de longe, o menos assíduo dos teus frequentadores. Mas a mim andava bastando aquele papo breve que volta e meia travávamos quando eu voltava da feira. Em outros dias, muitas vezes, via de longe tua imagem com o jornal na mão, de olho nas notícias do teu Corinthians, em meio ao silêncio do salão vazio, com pouca luz. O custo da energia anda mesmo pela hora da morte, eu tô ligado. E aquela era uma imagem bacana de ver. 

Os que te difamam provavelmente jamais entenderão por completo o que é um bar. Só os inocentes e desavisados podem imaginá-los de alma imaculada. E esses tais que agora andam fazendo questão de que o Bar do Zé Ladrão permaneça com as portas fechadas jamais souberam compreender a razão que lhe fazia, desde sempre, levantar as portas tardiamente. Nunca seriam capazes de sacar a tática para afastar os que infelizmente precisam de um primeiro trago já bem antes do dia nascer. Pra alguns, bares serão sempre todos iguais. Mas se tô aqui é pra dizer da tua classe. Os que tiverem coragem que tentem domar um balcão de bar por décadas a fio, sem perder o prazer no trabalho, sem perder para as próprias pernas condenadas a amparar o corpo em posição de sentido dia após dia, por horas a fio. 

Tô precisando ir lá - esteja o vosso bar de portas fechadas ou não - porque a primavera chegou e já é passado o tempo de colocar algum adubo no pequeno naco de terra exposta que sustenta nossa velha pitangueira. Veja só, outro dia tava passando na calçada contrária e vi um sujeito embaixo dela, olhando pra cima, com jeito intrigado. Por instinto parei pra observá-lo. De repente, o sujeito puxou um ramo e o quebrou. Olha, por pouco não fui lá tirar satisfação. Mas,rapidamente, dei um jeito de me convencer que era só alguém a fim de um raminho pra quem sabe fazer um chá. Olha Zé! Não sei como andas gastando teu tempo. Se tens cuidado dos netos e das plantas de casa. Mas sei bem o quanto aquele cotidiano de sempre deve lhe fazer falta. Já não estou certo de poder sonhar em ver o teu velho bar de novo de portas abertas. Ainda assim, seguirei teimosamente na torcida. Ô Zé, que tristeza me dá ver teu velho bar de portas fechadas bem agora que nossa velha pitangueira floriu. 

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