quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quem merece ser ídolo?


Foi o papel desempenhado pelo craque português Cristiano Ronaldo que despertou em mim a vontade de falar sobre a inocência que costuma se embrenhar na imagem que fazemos dos grandes artistas. Que teçam seu coro de descontentes aqueles que ainda enxergam alguma divisão entre os que se apresentam nos palcos e os que se apresentam nos gramados. 

Parece existir desde sempre em nós uma dificuldade em aceitar o fato de que alguém tão talentoso pra alguma coisa possa se revelar totalmente desinteressante, cheio de defeitos. Nos últimos dias a figura de Cristiano Ronaldo foi pra mim a personificação desse dilema. Reconheço a genialidade do gajo com a bola nos pés, a fase realmente estupenda que vinha atravessando, talvez a melhor de toda sua carreira.

 Mas bastava ouvi-lo em alguma coletiva para que essa sensação me tomasse. Via aquele seu olhar que pouco diz, as palavras encontradas com certa dificuldade, banais. Da vaidade nem falo, mas a tomo por gancho para dizer que foi na contramão disso tudo que encontrei alguém cujo estilo merece ser observado mais de perto. Falo do lateral Ekotto, que nasceu na França mas defende Camarões, e que roubou a cena num jogo da seleção dele ao ameaçar um companheiro do próprio time. 

Ekotto, não é santo, tem no currículo uma agressão a um torcedor, mas não esconde de ninguém que joga futebol por dinheiro. Afirma com todas as letras que não suporta ver jogadores beijando escudos de times que seis meses depois abandonam sem o menor pudor. Ekotto é embaixador da ONU contra a pobreza na África, anda por Londres de ônibus usando o que seria o equivalente ao nosso bilhete único. Toca, na Inglaterra, um time Sub-12 pra crianças carentes. E não esconde de ninguém que não tem nem o telefone dos seus companheiros de clube. 

É óbvio, não espero que um jogador de futebol se expresse como um literato, não é isso. Mas, vejam, a capacidade de se expressar não está só na fala, no toque de bola, está em tudo. Nas ideias que a gente defende, nas teorias que se abraça, no jeito de encarar a vida. O que pode ajudar a explicar o sucesso e a representatividade de figuras como Maradona, Sócrates. Ao colocar tudo isso na balança é que se descobre ao que se chega, a quem se chega. Cristiano Ronaldo, por exemplo, pra mim, é um jogador de futebol raro. E nada mais.

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