quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma história de futebol

Tenho um tio, chamado Afonso, que é pra mim uma referência quando o assunto é futebol. Já faz tempo passou dos setenta e ainda tem bola suficiente pra garantir lugar num time de society onde boa parte dos jogadores têm pra lá de vinte anos menos do que ele, quicá trinta ou mais. Outro dia ele subiu a serra comigo e me contou uma história que faço questão de dividir com vocês. Exemplo puríssimo do que o jogo de bola pode significar na vida de alguém.

Morador da zona leste de São Paulo passou a vida envolvido com o futebol de várzea. Quando Julinho Botelho (ele mesmo, aquele que ao substituir Garrincha no Maracanã transformou vaias em aplausos fervorosos), seu vizinho ali nos arredores da antiga estação Carlos de Campos, já consagrado, decidiu fundar o Rio Branco, o time nasceu de uma fusão entre o Heróis Brasil e o Quarto Centenário. Este segundo fundado por um senhor que tempos depois deixou o bairro da Penha para ir morar no centro, onde tinha arrumado um emprego como zelador.E meu tio Afonso foi um dos que integraram o pequeno grupo que atravessou a cidade para ir até a nova casa dele buscar os equipamentos que eram usados pelo time. Seo Zé, sem pensar duas vezes, repassou a eles todo o fardamento para que o Quarto Centenário pudesse continuar.

Fato é que quando o União Rio Branco finalmente foi fazer o primeiro jogo de sua história, Julinho, que nessa época defendia o Palmeiras, havia indicado o time que deveria entrar em campo. Afonso, volante, estava lá. Mas para sua eterna desilusão a lista não foi respeitada. Chamado para jogar depois, tirou a camisa e a entregou. Se negou a um papel menor do que o que seu futebol honradamente tinha conquistado. E aí é que vem a parte bonita da história.

A essa altura eu já me encontrava entre a tristeza e a indignação com a trairagem. Eis que meu Tio Afonso começa a descrever a foto que foi tirada naquele dia. A foto que registraria para sempre o primeiro time do Rio Branco, que ano passado completou meio século. Afonso não estava lá. Mas a caixinha do massagista, que podia ser vista ao lado dos jogadores, era a caixinha do Quarto Centenário, com o escudo do time, que ele, Afonso, tinha ajudado a desenhar.

Vejam como é o futebol. O cara foi sacaneado. Viu tirarem dele uma chance que até hoje lhe causa dor mas, de repente, se sente vingado porque, afinal, a caixinha do massagista ali ao lado garantiria pra sempre a presença dele naquele dia inesquecível. O resto, bom resto é acidez dos homens que jamais irá causar surpresa a quem foi moldado na várzea. Além disso, basta alongar um pouco a conversa pra perceber que apesar de tudo as alegrias foram bem maiores que as tristezas na longa fieira dos dias vividos nos velhos campos de terra vermelha.

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