segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Que viagem !


De repente estávamos todos ali. Homens feitos parecendo crianças. Entregues a ânsia que costuma tomar de assalto quem espera um jogo de bola começar. Quando recordo agora daquele Boeing 747 que nos levou Atlântico afora ele tem toda a pinta de ser, na verdade, uma máquina do tempo. Uma máquina que me levou de volta ao passado, quando eu tinha uma turma pra jogar bola. Um turma que passava lá em casa pra me chamar. Ávidos, nos entregamos totalmente a esse convite ludopédico-romântico que o destino fez. E ao fim, sem perceber, levávamos todos no rosto e na alma a revivida euforia das tardes em que voltávamos pra casa com os pés sujos de barro, areia, lama.

Houve, sim, um placar que me fez ver muita gente incomodada. Mas pra quem cultiva toda essa reverência pelo futebol deve bastar a transcendência daquele treino debaixo de chuva. A beleza da nossa entrega, nossa crença cega num certo improviso, enquanto o Autonama, ali ao lado, se esmerava num treino com jeitão profissional. Repetindo movimentos. Astral de orquestra sendo afinada. Mal sabem eles que com todo aquele entrosamento tinham mais motivos pra se divertir do que nós. Terá sido pra eles de alguma forma intimidador o nosso descompromisso? Que pensavam ao olhar para a outra metade do campo? Que pensaram ao ver um bando de garotos correndo pra lá e pra cá, como se aquele mero treino fosse à vera?

Driblamos o tempo como só o futebol permite. Mas de tanto lembrar Moritz Rinke & Cia jogando fácil, passando por nossa brava defesa com a velocidade e o entusiasmo de quem vai a uma festa, não sei, passo a ter incertezas. Tendo a achar que poderia ter me apresentado mais ao amigo Prata ali na esquerda.Ter sido mais altivo, ter procurado mais o jogo. Começo a achar que naquela bola que veio feito um torpedo pra área eu poderia ter subido um pouco mais. Simples efeitos colaterais de um complexo de vira-lata mal curado. E, Caro Nelson, se tu soubesses como foi citado.

Penso em Pepe fazendo a preleção no vestiário, tentando nos orientar. Que bela imagem! Quem sabe se tivéssemos levado a cabo suas palavras. Mas não começamos pressionando os caras, não avançamos a marcação. Diante do placar adverso não redobramos a atenção para evitar um estrago maior. Pepe, meu velho, não é tão fácil assim fazer o que fazia o teu Santos. Olha, Seo Macia, seja como for, tenha a certeza de que se tratou do desrespeito mais respeitoso da história do futebol mundial. No desassossego de alguns, lembrei de Fernando Pessoa aconselhando a desdenhar da vitória com o seu Desassossego, o livro. Dizendo que vencer é conformar-se, ser vencido. E que por isso toda vitória é uma grosseria, que o império supremo é daqueles em quem a supremacia não pesa como um fardo de jóias.

Só mesmo o Sobrenatural de Almeida poderia ter nos salvado desse germânico nove a um que se abateu sobre os que vestiam a camisa do Pindorama. Ficamos meio sem entender nada, exatamente como fiquei ao me deparar com uma frase de Augustinus Von Hipo escrita em alemão na parede do nosso quarto de hotel: "Nur wer selbst brennt, kann feuer in anderen antfachen".

Fomos sobre o sintético gramado do Eintracht e arredores, um time, um belo time. Fomos o que talvez eles não entendam por completo jamais. Ou talvez até entendam melhor agora, se mesmo diante do abismo das línguas, deram um pouco de atenção a tudo o que andamos dizendo de nós mesmos por lá.


Aos amigos do Pindorama FC


* Leia no link abaixo a matéria sobre o fato que gerou este artigo.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1355416-selecao-brasileira-de-escritores-e-goleada-por-9-x-1-pela-alemanha-em-frankfurt.shtml 

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