O futebol está em nós de um jeito muito singular. Não só com aqueles que nossos olhos puderam ver em campo mas também com aqueles que a história tratou de ungir com ares de eternos e que não ver em campo. Se a Copa de 1982, nos idos dos meus saudosos quinze anos, me pegou em cheio com Zico, Sócrates e Falcão, à minha geração escaparam nomes como Pagão, Toninho Guerreiro, Jair Rosa Pinto, de quem nem por isso deixo de me sentir um tanto íntimo. A magia do jogo alimenta em nós a possibilidade de ultrapassar esse desvão histórico com devoção. E sigo acreditando que de alguma forma isso é possível, tanto são os craques de outras áreas que admiramos e trazemos pras nossas vidas.
Quisera eu puder ter visto em campo um Zizinho, um Didi. Deus do céu, um Garrincha. Quem dera. E não tratem como heresia não ter citado até aqui o Rei Pelé que, dizia meu pai, vimos em campo. Mas que eu devo confessar, um tanto envergonhado, não ter conservado em mim a mínima lembrança. O que nesta hora faz com que eu me sinta como se a memória tivesse - diante de um estádio lotado - colocado a bola entre as minhas pernas. E nesse time cultuado, a que meu tempo não me deu direito, está também, em lugar de honra, o ponta-esquerda Pepe. Muito se fala sobre o seu chute potente com o qual ele foi deixando pelo caminho um sem fim de adversários, mas que eu , secretamente, aprendi a admirar por outras virtudes menos exaltadas, como a precisão, por exemplo.
Nunca esqueci do slogan de uma antiga propaganda de pneus que dizia o seguinte: potência não é nada sem controle. E a primeira vez que ouvi aquilo lembrei imediatamente do Seo Macia porque no dia em que eu o conheci ele fez com o amigo que estava a meu lado uma brincadeira que sempre gostou de fazer e que consistia em jogar a bola repentinamente pro alto e dizer de antemão onde ela iria parar. Lembro bem. Naquele manhã de sol na Vila, disse que seria na linha de meio de campo e quando cheguei perto dela pude comprovar que a mesma não estava mais de dois dedos além do previsto. Impressionante. Mas se não sou do jogador testemunha, sou do homem. E com certos privilégios até, que me foram dados pela profissão e pelo destino.
No primeiro caso, por ter desfrutado dos registros cuidadosos que ele tratou de fazer a respeito da própria história. E de poder, na condição de jornalista poder colhê-los. E no segundo, por ter vivido em São Vicente, e vê-lo muitas vezes por ali, com os amigos a falar de futebol. A revirar lembranças. E, vejam só, por ter formado num time de escritores ocasional que, podem acreditar, teve a honra de ter Seo Macia como treinador. O mesmo bondoso destino que, tabelando com a filha Gisa e outros amigos, me deu a oportunidade de escrever um prefácio para sua biografia publicada tempos atrás pela valente Realejo.
E não bastassem todas as conquistas o ponta-esquerda a essa altura do jogo se apresenta com a alta patente dos que viveram muito e não se deslumbraram com a imensidão da própria obra. Que bom é saber que partir do próximo sábado, no Museu Pelé, estará a exposição Pepe - Futebol, vida e glórias. Aos amantes do futebol digo que se trata de oportunidade imperdível, em especial aos que, como eu, lamentam não tê-lo visto em campo, pois o homem segue aí cativante e admirável como nem todos os grandes campeões conseguem ser. Viva o Seo Macia!