O bigodinho bem cuidado e o cabelo brilhando de
vaselina não deixavam dúvida. Mário Ninguém era um saudosista. O Ninguém, que
passou a acompanhar seu nome como se sobrenome fosse, era outra prova disso. Foi
brindado com ele depois que o pessoal do Bar do Zé Ladrão cansou de ouvir o
sujeito dizer nas rodas de conversa que tinha era uma saudade danada do Pelé, do
Didi, e que hoje ninguém seria páreo pra eles.
E Mário nem se importou quando o
Lorico lhe avisou que aquele papo sobre grama artificial só serviria pra galera
lhe aumentar o sarro. Além de saudosista seria chamado de purista. Mas ele não
estava nem aí. Achava que só os insensíveis com o jogo não conseguiam ver que
tratar a grama artificial como um detalhe beirava a burrice. E, de repente,
sacou um argumento dos bons. Tanto que o Lorico que até ali alimentava o papo só
na intenção de tirar uma onda e ao mesmo tempo dava uma conferida no resultado
do jogo do bicho, baixou o papel que tinha nas mãos e arregalou os olhos.
Para Mário Ninguém a grande prova de que a coisa deveria ter tratamento
diferente estava no jogo de tênis, porque em se tratando dele quando se altera o
piso a coisa muda de figura. Joãozinho Boca Torta ao ouvir a explicação não
perdoou. Gritou - pra todo mundo ouvir - que aqueles que tinham o time do
coração disputando campeonato importante deveriam se preparar porque a partir
da próxima temporada o time deles iria é disputar uns Grand Slam. O riso foi
geral.
Mas Mário não se intimidou. Perguntou em voz alta se alguém ali já tinha
visto uma quadra de grama. Diante do silêncio que se fez soltou um pois é. E na
sequência garantiu que do jeito que vão as coisas não tardará o tempo em que
campos de futebol de grama natural serão uma raridade. Serão como as quadras
de Wimbledon. Tão raras, tão apartadas da realidade. Se um piso altera o pingar
da bola, a velocidade dela, se exige outro tipo de movimento do corpo, como pode
ser tratado como mero detalhe? E ainda fez no fim uma previsão assustadora.
Avisou que a grama sintética deixa o futebol mais arisco e com esse monte de
cabeça de bagre por aí, sofrendo pra dominar a bola mesmo quando ela chega no pé
devagarinho, o espetáculo que nos aguarda tem tudo pra ficar ainda mais bizarro.
E foi além, se mostrou indignado com essa coisa dos times encharcarem o gramado
antes dos jogos. Outra aberração. Onde já se viu? Alguém precisa ver isso,
estabelecer um padrão. Diante do que se deu, eu, que tava ali só analisando tudo
pensei comigo: esse Mário Ninguém pode ser saudosista, mas não
é louco não.
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