quinta-feira, 8 de março de 2018

Futebol, naturalmente


O bigodinho bem cuidado e o cabelo brilhando de vaselina não deixavam dúvida. Mário Ninguém era um saudosista. O Ninguém, que passou a acompanhar seu nome como se sobrenome fosse, era outra prova disso. Foi brindado com ele depois que o pessoal do Bar do Zé Ladrão cansou de ouvir o sujeito dizer nas rodas de conversa que tinha era uma saudade danada do Pelé, do Didi, e que hoje ninguém seria páreo pra eles. 

E Mário nem se importou quando o Lorico lhe avisou que aquele papo sobre grama artificial só serviria pra galera lhe aumentar o sarro. Além de saudosista seria chamado de purista. Mas ele não estava nem aí. Achava que só os insensíveis com o jogo não conseguiam ver que tratar a grama artificial como um detalhe beirava a burrice. E, de repente, sacou um argumento dos bons. Tanto que o Lorico que até ali alimentava o papo só na intenção de tirar uma onda e ao mesmo tempo dava uma conferida no resultado do jogo do bicho, baixou o papel que tinha nas mãos e arregalou os olhos. 

Para Mário Ninguém a grande prova de que a coisa deveria ter tratamento diferente estava no jogo de tênis, porque em se tratando dele quando se altera o piso a coisa muda de figura. Joãozinho Boca Torta ao ouvir a explicação não perdoou. Gritou - pra todo mundo ouvir - que aqueles que tinham o time do coração disputando campeonato importante  deveriam se preparar porque a partir da próxima temporada o time deles iria é disputar uns Grand Slam. O riso foi geral. 

Mas Mário não se intimidou. Perguntou em voz alta se alguém ali já tinha visto uma quadra de grama. Diante do silêncio que se fez soltou um pois é. E na sequência garantiu que do jeito que vão as coisas não tardará o tempo em que campos de futebol de grama natural serão uma raridade. Serão como as quadras de Wimbledon. Tão raras, tão apartadas da realidade. Se um piso altera o pingar da bola, a velocidade dela, se exige outro tipo de movimento do corpo, como pode ser tratado como mero detalhe? E ainda fez no fim uma previsão assustadora. 

Avisou que a grama sintética deixa o futebol mais arisco e com esse monte de cabeça de bagre por aí, sofrendo pra dominar a bola mesmo quando ela chega no pé devagarinho, o espetáculo que nos aguarda tem tudo pra ficar ainda mais bizarro. E foi além, se mostrou indignado com essa coisa dos times encharcarem o gramado antes dos jogos. Outra aberração. Onde já se viu? Alguém precisa ver isso, estabelecer um padrão. Diante do que se deu, eu, que tava ali só analisando tudo pensei comigo: esse Mário Ninguém pode ser saudosista, mas não é louco não. 

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