quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Árido Futebol

Esqueça de uma vez por todas o futebol romântico. Seu ambiente acolhedor. Os uniformes feitos de algodão. Os shorts apertados e curtos sem nada estampado no traseiro. Sou do tempo em que a cerveja ainda era uma consequência nada explícita do jogo de bola, do tempo em que curtíamos no intervalo, extasiados, na companhia segura dos nossos pais, uma velha e boa "caçulinha".

Mas o futebol, senhores, virou uma terra árida. Já não é possível chegar até a peleja relaxado, não conseguimos carregar pra arquibancada o astral sugerido pelos domingos. No fundo sabemos que a qualquer momento o bicho pode pegar, no pior dos sentidos. Até o sanduiche de pernil na porta do estádio é engolido com um olhar desconfiado que nos rouba o prazer do paladar. Como eram deliciosos os tremoços saboreados no Ulrico Mursa.

Dos idos de 1990 pra cá rolou muita paulada e muito blá-blá-blá. Os nossos promotores de justiça descobriram que as organizadas tinham o incrível poder de transformá-los em celebridades, elegíveis, inclusive. Ao longo dos últimos anos, como sempre, o futebol mexeu com o coração de milhões mas, infelizmente, deixou um rastro de algumas dezenas de mortos.

O vandalismo e as ameaças recentes envolvendo o Corinthians são apenas a ponta de um imenso iceberg. Responda de primeira: Você tem medo de ir ao estádio? Não!? Então saia por aí dizendo, sem medo de errar, que és alguém mais destemido do que a grande maioria. Um levantamento feito recentemente apontou que de cada cem brasileiros apenas um vai ao estádio e o principal motivo desse afastamento é a violência.

Quem está preocupado? O pay-per-view vai muito bem, obrigado. E se um dia o vazio dos estádios incomodar encheremos as arquibancadas por computador. A culpa não faz parte das regras que orientam o jogo dos donos do espetáculo. Só quem se dispõe a pegar um metrô, um trem, ou um ônibus em dia de clássico na imensa São Paulo é que sabe e sente o tamanho da dose de coragem necessária pra embarcar numa dessa. O que não se faz em nome de uma paixão. Seja ela cega ou não.

E não venham me falar em Estatuto do Torcedor porque depois dele - criado em 2003 - a coisa só piorou. Entre 2005 e 2008 foram vinte e cinco mortes ligadas ao futebol, direta ou indiretamente. Em nome da nossa segurança a Polícia Militar, já faz algum tempo, decidiu escoltar as torcidas organizadas até o campo de jogo. Seu desfile dantesco pelas ruas intimida o cidadão comum, paralisa o trânsito. A luz vermelha das viaturas acentua a imbecilidade de seus cantos belicosos repletos de ameaças.
Por causa deles as bandeiras tiveram que deixar os estádios, os radinhos de pilha tiveram que deixar os estádios e a geral nos pais de família na hora de entrar em um estádio é cada vez mais "fina". Quem é que vai salvar o nosso futebol desss falta de fair-paly marginal? Quem é que vai fazer o baderneiro bater ponto na delegacia na hora do jogo? É tanta baboseira que chegaram até a anunciar que a partir de 2010, isso mesmo 2010, pra frequentar os estádios o torcedor iria precisar se cadastrar, ser dono de uma carteirinha. Que criatividade, não? Ria, se puder. Ou chore. O futebol que nos tocou a alma está cada vez mais distante, cada vez mais pra trás.

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