quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Para o Doutor Sócrates

O último domingo, Magrão, o dia da tua partida, durou uns dez anos. E como foi difícil atravessá-lo. No sábado, um tanto sorrateiro até, entrei na igreja de Santo Antonio do Embaré e rezei por ti. Algo me dizia que precisavas disso.

Ali, em meio a quietude inquietante dos templos, tive comigo a certeza de que mesmo muito baixinho, quase em silêncio, todas as preces que estavam sendo ditas em teu nome, juntas, seriam capazes de fazer mais barulho do que todos os estádios cheios que um dia tua elegância foi capaz de emocionar.

De lá pra cá, tanto foi dito, escrito e mostrado em teu nome. Tua figura, de repente, ganhou uma onipresença, e como ela te fez justiça. O velho Michel, na segunda, batucou um texto bonito, como sempre, falando dessa coisa inestimável - mas nem sempre percebida - que é estar ao lado de um gênio. Eu li, e fiquei lembrando de você, ali, sentado na cadeira ao lado da minha, humildemente envaidecido com a maneira como levamos o compromisso de fazer um programa de televisão juntos toda semana. Como foi bacana meu amigo.

Admirava em segredo a tua devoção com esse nosso encontro semanal por saber muito bem que eras esse tipo de pessoa rara que por motivo nenhum nesse mundo aceita fazer o que não gosta, e muito menos o que não lhe dá prazer.

Teimosamente vou te esperar no corredor que leva ao estúdio, mesmo sabendo que não vais chegar. Fecho os olhos agora e vejo você se aproximar, sem pressa, e dizer com um sorriso no rosto: "Fala Véio Mussa". Magrão, você não gostava da limitação dos scripts e dos roteiros e esse ditador terno aqui sabe que ficou te devendo um pouco de anarquia, no melhor dos sentidos. Teria sido a melhor maneira de provar que tinha me rendido ao seu estilo.

Quando dizia que esse teu jeito de não se preocupar com a vida me causava inveja não se tratava de uma metáfora. Saiba que vou carregar esse ensinamento comigo mesmo que ele não passe de um plano mirabolante que eu jamais seja capaz de colocar em prática.

Que saudade eu já sentia de invadir as madrugadas em tua companhia em uma mesa de bar, e nem preciso dizer que o nosso Xico também. Pra alguém que tinha orgulho da boemia se perder numa madrugada faz todo sentido, mais até do que essa coisa de partires num domingo em que o Corinthians ganhou um título. Que importa isso, se te perdemos um pouco?

Digo um pouco pois sei que vais continuar por aí, teu rosto permanecerá estampado nas camisas dos jovens de corpo e espírito. És uma bandeira. E pensar que nas nossas noites inundadas de risos, conversas, ideias e ideais, vinham à nossa mesa os bêbados te saudar. Os caretas a confessar a adoração pelo Doutor, apesar das juras de amor por um time que não era o teu. E vinham as moças, os velhos, a implorar uma fotografia. Vinham os loucos pedir pra beijar tua mão. E nos embasbacava a tua habilidade pra lidar com tudo isso, como quem dava um daqueles toques de calcanhar, surpreendentes, quase impossíveis.

Parta em paz. Você merece mais do que essa terra pode te dar. A ladainha do futebol permanecerá a mesma e do jeito que a coisa vai tua imagem e teus lances parecerão cada vez mais geniais. Ficará a tua lição de que o homem deve estar sempre acima de qualquer time. Ficará a tua lição de quem teve a coragem de fazer tudo que quis. o exemplo de ser sempre você mesmo. De agir em absoluta sintonia com o que se pensa. Nem que fosse por dez segundos, como gostavas de dizer.

Você, Magrão, foi a mais pura tradução do que a inteligência é capaz de fazer quando se une à arte de jogar bola. Acostumar com a ideia de que você deixou nosso time vai ser jogo duro, ô se vai.

Com carinho, do Véio Mussa.

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