quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Futebolês




Os novos termos que vão surgindo para, em tese, explicar o que se vê em campo me fizeram lembrar de uma certa noite. Não estava assim a praticar a boêmia. Mas razões não faltavam para que eu me sentisse amparado para desbravar a madrugada. Estava entre bambas. Na mesa comigo, de um lado o Doutor Sócrates, do outro Afonsinho. O cara que brigou com meio mundo para ter o direito de usar o cabelo comprido e , em última instância, para não ter o próprio destino decidido por cartolas.  Um rebelde no melhor sentido que a rebeldia pode ter. Enfim, uma noite dessas que se auto-tatua na nossa memória. 

Da conversa comprida e bem embalada, como um samba bom, ficaram poucos detalhes, mas um deles carreguei pra sempre, como se fosse um ensinamento. E era. E o recebi num momento desses em que o papo travado na mesa do bar  se funde com a algazarra do lugar, com todo mundo falando ao mesmo tempo. Foi em meio a esse burburinho típico que Afonsinho deixou transbordar a indignação. Disse que não tinha cabimento chamar jogador de peça. Nunca mais esqueci o dito, mesmo porque se afinava totalmente com o pretenso humanismo com o qual tive sempre a mania de encarar o mundo e o jogo de bola. E de lá pra cá toda vez que ouço alguém dizer isso por aí dou um jeito de matar em mim o ímpeto de avisar que isso não são modos, afinal, não sou o Afonsinho. 

E o mesmo se dá quando ouço alguém chamar um elenco de plantel. Outro coisa que Afonsinho disse não suportar. Mas se já falamos no último terço do campo, em jogadores extremos, em jogador que tem minutagem e importamos até a expressão clean sheet para falar de um goleiro que não tem levado gol, chamar um elenco de plantel ou um jogador de peça poderia não ser o maior dos pecados. Mas pra mim é.  Talvez o nobre leitor pense diferente. Cada um na sua. 


Bom, para equilibrar um pouco o tom aqui do nosso encontro vou dividir com vocês algo que me chamou a atenção no último domingo de manhãzinha quando parei para dar uma olhada numa pelada que estava sendo disputada na areia da praia e que eu sei é meio a contra-mão de tudo que andei lamentando. Ali o papo é outro. Duvido que na pelada alguém chame um sujeito de peça ou diga que seu time tem um plantel. Trata-se de futebol em estado bruto onde mesmo sem intenção as jogadas são para valentes. Lembro uma vez que vinha caminhando e presenciei uma dividida de bola entre dois jogadores - e se não tivesse tomado algum cuidado teria me envolvido nela. 


O lance se deu quase na linha da água. Uma dividida monstruosa. Depois do embate um dos boleiros soltou um quase grito e colocou a mão na perna. Quando olhei o que vi foi um vergão enorme e uma canela sobre a qual não tinha restado um único pelo. Imaginei que apenas chuteiras fossem capazes de produzir tal estrago.  Os dois estavam descalços. Era como se tivessem passado um barbeador no lugar. A lembrança me pareceu muito apropriada quando notei os nomes dos, digamos, zagueiros que guardavam cada um dos gols da pelada que estava rolando. Posição comum nesses jogos de praia. Os dois tinham os nomes estampados nos uniformes. Um requinte. Um se chamava Jazon, quase como o personagem macabro daquele velho filme de terror, e o outro, Severo. Cá comigo pensei: tá louco, dois zagueiros de intimidar.

Um comentário:

Reinaldo disse...

São termos, o problema na verdade é outro... Estamos encantados com a tática e esquecemos a técnica... Hoje mais que nunca, o jogador modernos é minado e precisa de uma boa dinâmica para dar certo, veja o Mourinho, ele foi derrubado porque é muito individualista, os louros são dele e o fracasso é dos jogadores.

Hoje o aspecto de administração de grupos se assemelha um tratamento mais paternalista, como um tratamento de um filho, nisso acho que tbm regredimos, os jogadores de antigamente eram menos mimados, mais maduros.

A discussão Tática vs Técnica, é a real discussão do futebol sulamericano, são poucos os jogadores técnicos no futebol que conseguem na genialidade de um lance individual, não só o drible, mais um passe mágico, um lançamento, cruzamentos, uma jogador criada do nada, gols que impactam num resultado de uma partida... Hoje infelizmente nós sulamericanos caímos na armadilha do jogador que só cumpre função tática, cito Rinus Michels, que disse que o jogador perfeito seria a técnica do sulamericano e a disciplina tática do europeu. Veja o William que jogou duas Copas 2014 e 2018 e nada produziu, taticamente ele é perfeito, cumpre todos os papéis com louvor dentro da função dele, fecha da ponta, acompanha o lateral, recompõe, porém tecnicamente é um jogar pobríssimo que quanto precisa do algo mais não entrega... Digo isso sem nenhum tipo de perseguição, mas tivemos outros como Oscar, Hulk...


Nesse meio tempo a Europa vem produzimos jogadores técnicos, que cumprem função mas tem um aspecto técnico mais forte presente, veja o Kane, Pogbá, Griezmann, Mbappé, Hazard, De Bruyne, Modric, T.Kroos, Ziyech...

Acho que falta a alguns entender que a tática visa anular o adversário porém de ambos os lados, tem um treinador adversário, vejo muito uma visão de um lado só e esquece que o teu adversário tbm usará a tática contra ti, é como se ambos treinadores entrassem com o número 1,(ou alguns acham que toda hora alguém dará um nó tático, nem com o Guardiola é assim!) e muita vezes um jogo é decidido num lance de genialidade porque taticamente é perfeito, como foi Brasil e Inglaterra em 1970 num jogo duro que num passe mágico do Pelé vê o Jairzinho a 6 metros ao lado dele... Ou no Brasil Vs Alemanha que sai de um chute violento de fora da área do Rivaldo para o Ronaldo arrematar, antes disso o jogo não tinha espaços.

Tem analista esportivo que acha ou passa a impressão que o Brasil vai para a Copa do Mundo, que o time vai dar nó tático nos 7 jogos e o Brasil vai ser Campeão do Mundo... Nossa história não é essa, somos admirados por nossa história de futebolista com um nível absurdo, admirados pelo futebol arte e objetivo que encantaram o mundo.

Hoje cito essa geração da seleção brasileira que tirando o Neymar os outros só cumprem função tática, não há nada além disso na minha visão... Quando você precisa do algo a mais, não vem... Tem algo de muito errado nas categorias de base.

Exclua a Índia, China e Estados Unidos onde o futebol não é profissional ou não é o primeiro esporte. O Brasil talvez seja o país mais populoso com o futebol como único e principal e o nível dos jogadores cai todos os anos, o que está acontecendo na base?