quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O vestiário


É difícil discordar que o vestiário seja o ambiente central de um time, seu coração. O que explica muito de sua aura sacra e misteriosa. E pensar que não faz muito tempo jornalistas e radialistas com seus aparatos técnicos podiam frequentar esse templo. Entre craques e cabeças de bagre de toalhas na cintura - mas nem sempre - os homens da crônica cavavam suas informações, colhiam suas entrevistas.  Nem por isso ficavam sabendo de tudo. Mas a proximidade sempre foi o caminho mais curto para  chegar aos segredos.

E caminho curto aqui é só uma forma de dizer porque, não raro, as portas do tal lugar demoravam uma eternidade para se abrir. E quando era assim, sempre se imaginou, era porque andavam tratando de apagar qualquer vestígio do que o time ou a comissão técnica não queriam ver transformados em notícia. E era um jeito eficaz também de castigar um pouco  a imprensa quando a relação não andava às mil maravilhas, fato muito comum. 

Veja como são as coisas. Agora  me vem uma saudade imensa desse tempo, das longas esperas que se davam perto da porta do vestiário, ali embaixo de uma das escadarias que levam ao primeiro lance de arquibancada da Vila Belmiro. No aguardo da permissão para entrar a resenha corria solta, costurava-se grandes amizades. Era momento de encontrar amigos, coisa que a vida vai tornando cada vez mais complicada.  O tema me veio à cabeça nestes dias em que o São Paulo mandou o uruguaio Diego Aguirre embora.  Dias em que todo mundo queria saber qual era a real, o que andava se passando da porta pra dentro. 

E como o trabalho do jornalista é também o de estar atento às declarações, juntar fragmentos, ouvir o treinador escalado para substituí-lo se derreter pelo meia Nenê - supostamente o personagem que fez nascer entre os tricolores certos descontentamentos -  logo na primeira entrevista chamou a atenção de todos. Aí lembrei de ter ouvido Lugano, o diretor de relações institucionais do clube dizer que o biquinho de Nenê fazia parte do pacote, que ele fazia biquinho aqui, em Paris, no Qatar.  Lembrei do experiente radialista Wanderley Nogueira ter afirmado que essa coisa de dizer que o treinador perdeu o vestiário é contestável. 

E lembrei que naqueles velhos tempos, quando os jornalistas ainda podiam frequenta-los, uma coisa muito sintomática, que deixava todo mundo de orelha em pé, era quando as portas se abriam e a gente não encontrava lá dentro um determinado personagem, em geral, claro, aquele com grande potencial para ser a notícia. E lembrei também de uma declaração recente dada pelo respeitado e rude treinador italiano, Antônio Conte, que certa vez, como noticiado, precisou ser contido para não ir às vias de fato com o jogador Diego Costa. Isso depois de o time deles vencer o jogo por três a zero. 

Segundo Conte, vejam só, a gestão de um vestiário é mais importante que o conhecimento de um técnico.  Mas o que sabemos do vestiário? Hoje quando vemos cenas desse lugar sacro são aquelas fornecidas pela própria assessoria dos clubes. Imagens limpas , cirúrgicas na maior parte das vezes, a revelar as emoções permitidas. E o que se vê ali é o vestiário possível. Muito menos profundo do que aqueles que frequentamos um dia.

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