quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Desilusão

 
Hoje vou me permitir pensar o futebol pelo viés da desilusão. E quando me desiludo com ele logo penso: veja só o que fizeram com a nossa mais empolgante brincadeira de criança. Isso porque nada me tira da cabeça que foi por um dia a maior parte das crianças deste país se deixarem encantar pelo jogo que ele virou o que virou pra nós.

Sei que despir o futebol de toda a ilusão é perigoso, pode não sobrar nada. Mas sejamos frios, o que sobra do futebol quando um manto negro se derrama sobre os campos tirando da alegria de um drible ou da possibilidade da vitória seu significado maior? Eu digo o que resta.

Resta um território cercado por flanelinhas, banheiros sujos, um ambiente que está longe de ser civilizado. Restam interesses. Restam confederações comandadas por homens ultrapassados, que mal conseguem sorrir ao ter de cumprir o ritual de assistir a uma partida de futebol. Gente que quando vai até o campo exercer seu papel de autoridade distribui medalhas aos vitoriosos com cara de gerente que cumprimenta o funcionário do mês.

Que deleite é esse que nos anestesia? Vemos um atleta ter de cobrar um escanteio protegido por escudos de policiais, e é como se não víssemos. Vemos nossa polícia gastar boa parte de seu efetivo aos domingos para escoltar torcidas e em seguida, muitas vezes, ainda usar a força bruta para impedir que certos encontros não se transformem numa verdadeira guerra, numa batalha campal, e não nos revoltamos. E não nos indignamos, como se em nome do futebol se pudesse tudo.

É triste essa crueldade, essa violência que brota das entranhas das arquibancadas. Estamos vendo e vivendo a perversidade de toda nossa impunidade. Essa dor é um pouco a dor da falta de autoridades competentes, a falta dos cadastros daqueles que querem entrar nos estádios na condição de organizados. É a dor de não ter feito os culpados anteriores se apresentarem na delegacia quando o seu time adorado fosse entrar em campo. Falta o castigo aos culpados, o castigo que tem sobrado para os inocentes.

Eu já não suporto ouvir exemplos ingleses. Não somos a Inglaterra! Eu já não suporto ouvir os especialistas dizendo que o futebol precisa ser encarado como produto. Nada, nenhuma teoria mercadológica ou afim parece ter a capacidade de nos tirar desse purgatório ludopédico enquanto os homens que cuidam dele continuarem sendo os mesmos. A impressão que fica depois de ler tantas manchetes negras, depois de ouvir tantas histórias pouco críveis é a de sempre. Só teremos um futebol sadio quando tivermos um país sadio, quando formarmos pessoas capazes de colocar o futebol no seu devido lugar.

Aí, curados dessa chaga aberta em nome de uma paixão espelhada em não sei que cores, poderemos voltar a desfrutar do prazer de se entregar à ilusão do jogo. À ilusão agradável de testemunhar um lance épico, à toda ilusão criada por um talento difícil de descrever, sem o desconforto de saber que para se viver isso é preciso aceitar um imenso risco.



* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

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