quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Nosso futebol surreal


Espero que tenha sobrado dos nobres leitores, depois do carnaval, bem mais do que cinzas. Já do futebol brasileiro, depois de ter passado os olhos em números recém divulgados, tenho grandes dúvidas. A imensidão das dívidas reforçou em mim a sensação de que restou dele apenas uma casquinha, de modo que qualquer cavucada, por mais leve que seja, nos fará descobrir que por dentro está tudo comprometido.

E se continuamos a nos divertir com essa frágil casquinha, não devemos nos enganar pensando que uma hora dessas aparecerá por aí, tal qual um messias, um cartola que mudará o rumo das coisas. Tão ingênuo quanto isso é achar que existe alguém entre todos os que estão aí "muderno" o suficiente para ameaçar o sentido em que a roda inevitavelmente gira.

Chovem velhos bordões. "Aqui não se faz loucura", ou ainda, " aqui não se gasta mais do que se arrecada". Um tipo de discurso que diante dos fatos não merece crédito. Que atire a primeira pedra o cartola que tenha conseguido diminuir a dívida do clube que administra. É claro que não se trata de uma exclusividade nossa, mas não é por isso que a situação deve deixar de ser vista como uma aberração.

Desde 2003 as receitas dos clubes brasileiros aumentaram 235%, mas no mesmo período as dívidas cresceram 306%. A situação financeira é precária. Para Amir Somoggi, um especialista no assunto, só há uma saída para evitar que a situação piore: o governo federal agir. Tá preta a coisa, ou não tá?

Governo Federal que não custa lembrar é credor de quase cinquenta por cento dos 4,7 bilhões de reais que os clubes brasileiros devem. Fica aí uma boa pista de que governo e cartolas jogam no mesmo time. Há outros temas que gostaria de comentar aqui, como a intenção do governo de regulamentar as apostas esportivas no país, mas vou aproveitar as linhas que me restam pra dizer que acabei de ler o novo livro da dupla José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, o " Nove contra o 9".

Poderia tecer aqui muitos elogios. Poderia falar do texto bem destilado, do humor equilibrado, bem sacado, mas o que me impressionou e que considero inestimável contribuição é o fato de a obra nos jogar na cara tudo que há de bizarro no mundo do futebol. A constatação de que tudo de excêntrico e surreal que está ali - de uma forma ou de outra - é perfeitamente possível é algo chocante. Vi no livro de Torero e Pimenta mais do que um humor revestido de inteligência, vi nele um crítica ácida. Louvável.  



* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

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