terça-feira, 23 de outubro de 2007

Crônica sentimental

Em mim as lembranças da bola se confundem com as mais distantes memórias dos tempos de menino. Mas apesar de ter sido seduzido pela magia da bola da maneira mais pura e romântica possível, hoje em dia me ocupo, na maior parte das vezes, com aquilo que existe além da vitória e da derrota. O jogo visto somente de modo técnico e tático, embora complexo, é dono de um horizonte menos amplo.
São os nossos sentimentos que multiplicam e agigantam as possibilidades e a sedução do esporte.
O novo livro escrito pelo jornalista André Ribeiro, que conta a história da crônica esportiva do Brasil, me deu a impressão de que, passadas tantas narrações, discussões, opiniões, tantas notícias, esse segmento da nossa mídia encontrou um equilíbrio.
Criamos um jeito brasileiro de interpretar o futebol, e ele é uma mescla de pragmatismo e sentimento.
Lembro de um dia em que fui destacado para entrevistar o mestre Armando Nogueira. Tentado a dividir com ele as impressões sobre essa preferência pela parte mais humana do esporte, ouvi dele o seguinte:
_ Olha, eu jamais me preocupei com tática e técnica.
Soou, sim, como uma licença poética. Mas com o tempo pude entender quanta verdade aquela declaração escondia.
Passando os olhos pelas páginas da obra escrita por André Ribeiro fiquei feliz em perceber que a história reservou um espaço justo aos homens que assumiram essa veia sentimental.
Digo isso, não pleiteando um lugar no time, quem sou eu, mas confessando minha admiração. Confessando a minha intenção seguida de buscar ali inspiração.
E tem mais, já percebi que muitas vezes essa maneira de encarar o jogo serve como uma espécie de antídoto. Diante da derrota do time querido é possível encontrar outras alegrias. Ensaiar um drible pra cima do peso da derrota. E o melhor de tudo, não achar nunca que o torcedor adversário é um inimigo, ou que os duelos devem se dar em outro espaço que não seja o campo de jogo.
Quando vejo as histórias de violência entre torcidas, dentro dos estádios, dirigentes se dando bem, gente tirando proveito dessa planetária paixão, vou logo pensando que se trata de gente sem sentimento suficiente para entender a grandiosidade do esporte.

* O livro citado, está sendo lançado neste momento em São Paulo.
Livro: "Os donos do espetáculo" - histórias da imprensa esportiva do Brasil
Autor : André Ribeiro
Editora: Terceiro Nome

4 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico texto e majestoso prisma para se olhar o futebol e seus "meandros".

Parece que santista sabe mesmo fazer poesia da bola.

Vladir e Torero, o Pelé e Coutinho da Crônica atual...

Já era seu fã há tempos, depois que achei o blog, mais ainda.

Forte abraço.

Ton

Anônimo disse...

Olá Vladir, tudo bem? Concordo em gênero, número e grau com o seu ponto de vista no artigo "Crônica Sentimental". Assim como você,eu também acredito que o jornalista esportivo brasileiro interpreta o futebol no equilíbrio entre a razão e a emoção ou "pragmatismo e sentimento". Isso porque se por um lado, ele tem o seu clube do coração, por outro tem que seguir uma conduta ética da profissão jornalística que determina a imparcialidade e o interesse público como seus elementos cruciais. Um exemplo dessa situação acontece quando um jornalista, torcedor de um clube de massa é destacado para realizar a cobertura do adversário de seu time do coração em um jogo importante. Independentemente do resultado da partida, ele tem por obrigação do ofício fazer uma cobertura competente e imparcial, de acordo com seus conhecimentos sobre a tática e a técnica do jogo. É verdade também que, esse equilíbrio entre o pragmatismo e o sentimento, tão requisitado pelos cronistas esportivos, em alguns momentos é transfomado por um desequilíbrio focado em paixôes, desilusões e inseguranças. Mas a verdade é que hoje se tem uma visão muito mais equilibrada e lúcida na interpretação sobre o esporte como um todo, especialmente o futebol, em relação ao que se tinha no passado, onde o desequilíbrio entre a razão e a emoção era gritante.

Por Gustavo Caiuby

caiubygustavo@yahoo.com.br

Vladir Lemos, jornalista disse...

Ton, o melhor de um comentário como o seu é que ele se traduz em uma boa dose de ânimo pra seguir esse caminho. O que não falta ao esporte são prismas interessantes, né? Apareça! Abraço!

Vladir Lemos, jornalista disse...

Fala Gustavo,o bom desse assunto é que ele mostra como o jornalismo esportivo é questionado, analisado. A torcida cobra o jogador, e cobra também o jornalista. Abraço!