quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Os dribles que o futebol impõe



O futebol esbanja dribles. Nos impõe vários. Alguns muito impiedosos, porque insistentes. Falo do que sofremos toda vez que tentamos decifrá-lo. E não perdemos a mania. Essa constatação faz com que eu me sinta como um zagueiro desses estabanados que no afã de colocar um ponto final em uma investida adversária acaba sendo driblado duas vezes e, pra fechar, ainda erra o carrinho que tenta desferir já em notável desespero. Mas há dribles desse tipo que são suaves, como aquele que silenciosamente  fustiga alguém que tenha decretado por aí  que jogar em alto nível aos quarenta anos, nesse futebol supra físico que se desenhou, beira o impossível. Eis que olho pra TV e dou de cara com um jogo das Eliminatórias Europeias. De um lado a República Tcheca, do outro a Croácia. E lá está o quarentão Luka Modric, envergando a camisa dez com a elegância de sempre,  sugerindo que é melhor a gente não tentar prever até onde se pode ir. 

Quer mais um exemplo? Bom, outro veredito que já ouvi ser proferido por aí é aquele que decreta que essa inundação de estrangeiros vista no futebol brasileiro atualmente cobraria um preço terrível: o de limitar severamente as oportunidades dadas aos talentos das categorias de base. É conclusão difícil de refutar assim de primeira. Já andei assinando a tal. Mas um olhar atento às ultimas rodadas do Brasileirão inevitavelmente  nos coloca uma pulga atrás da orelha. É só lembrar das alegrias que o garoto Gui Negão andou dando à torcida corintiana. E, em menor grau, o volante André, autor de um dos gols da vitória do timão sobre o Mirassol. Mas não pensem que é assim rasa a realidade que se contrapõe ao que pode parecer óbvio. 



Lembremos do jogo maluco que fez o Vasco com o Vitória. Um quatro a três cheio de reviravoltas em que triunfou o time de São Januário graças a dois gols cheios de juventude. Um do camisa setenta e sete Rayan, de dezenove anos. E o outro, mais nobre ainda por ter sido o quarto do time da casa, o que garantiu de verdade os três pontos, marcado aos cinquenta e dois do segundo tempo por GB, de vinte anos. Mesmo nos poderosos Palmeiras e Flamengo que tanto gastaram para moldar seus elencos atuais a garotada dá as caras. Allan, no alviverde, que tem vinte e um anos, mas está no clube desde o sub-15. Wallace Yan, no Flamengo. Ainda que no segundo caso, do alto de seus vinte anos, o rubro-negro tenha acabado expulso no jogo contra o Bahia e forçado a torcida do Mengo a temer um tanto sua juventude. Ainda que os lances que redundaram na expulsão - e seu histórico em campo - sejam capazes de convencer qualquer um que se trata mais de uma deficiência comportamental do que técnica. 

Há outros exemplos que poderiam ser pinçados, mas por falar no Flamengo não dá pra deixar passar, já que o assunto é esse, a oportunidade que teve Kauê Furquim. O garoto de apenas de dezesseis anos - que ao deixar o Corinthians e seguir para o time baiano meses atrás colocou os dois times em pé de guerra - foi colocado em campo por Rogério Ceni quando o jogo contra o rubro-negro estava perto do fim. Não é a toda hora que damos de cara com alguém dessa  idade num jogo desse tamanho. Ainda mais quando a briga por um lugar ao sol no futebol brasileiro nunca pareceu tão acirrada. O próprio Ceni foi muito bem ao não esconder a realidade e dizer que se tivesse a disposição o argentino Sanabria, ou o ponta EricK Pulga, Furquim não teria saído do banco de reservas. Enfim, talvez essa nova realidade do futebol brasileiro não se faça adversária do sonho que desde sempre foi de tantos meninos. Tem sido bom ver o argentino palmeirense Flaco Lopez, ou o colombiano Kevin Serna, do Fluminense, jogando o fino. Mas nada como poder desfrutar desse tipo de talento que, além de tudo, se fez para nossa tristeza produto de exportação precoce. E que o futebol nos reserve outros dribles.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Nada será como antes



O ano que vem promete sensações novas para quem gosta de futebol. Mas não se empolgue não. Tô falando da realidade distinta a que as mudanças orquestradas pela FIFA e pela CBF irão condenar os amantes do jogo de bola, e não prevendo triunfos. Muito menos descrete nacional, como pode concluir dessa breve abertura um leitor mais empolgado. Vejam, depois de todas as alterações que serão feitas no calendário nacional na temporada vindoura, os torcedores que gostam de gastar os janeiros à beira-mar talvez precisem deixar as areias para ver que enredo terá o debute do time do coração no principal campeonato do país. Uma vez que isso passará a se dar antes mesmo do carnaval, e não mais quando as águas de março já tiverem fechado o verão, como andamos acostumados. Donde concluo que os cartolas andam ousados. Não deveriam encarar tão de peito aberto a concorrência, porque se pensarmos bem são poucos os times por aí com mais apelo do que uma boa praia. Vai saber. Não duvido que o sol brilhando e as areias escaldantes, que também tantas emoções provocam, venham dar uma leve derretida na audiência das primeiras rodadas.  E nem vou falar da petulância diretiva de marcar compromissos para essa época, quando estamos todos cansados de saber que neste rincão dos trópicos o ano só começa depois da folia de Momo. 

Outro efeito das alterações poderá ser uma certa sensação de que as cervejas da quarta à noite já tiveram acompanhamento melhor, já que nos primeiros meses do ano que vem passarão a se destinar aos jogos dos torneios estaduais. Nunca foi má tática, e passará a ser mais indicada ainda, dar uma turbinada nos petiscos.  Quem sabe jogando com uma linha dtrês atrás, ou ao lado, dos copos. E que fique registrado que sou e fui, desde sempre, totalmente contra o fim dos Estaduais. Os considero parte importante do patrimônio futebolístico que construímos e que deveria ao longo do tempo ter sido mais bem tratado. Tenho a essa altura sérias dúvidas se um tratamento digno será possível diante das míseras onze datas a que a nova ordem lhes condenou. 

Mas quando falo em novas sensações falo também da Copa do Mundo, claro. Copa que parece ter transformado, Gianni Infantino, o presidente da FIFA, em amigo de infância de Donald Trump, que morro de curiosidade de saber se seria capaz de nos explicar a regra do impedimento. Será, sem dúvida, o momento mais singular da vida dos que há tempos se entregam a esse tipo de prazer, ou de paixão, como preferem os mais ardentes. A coisa dessa vez irá muito além de tentar adivinhar que papel a Seleção Brasileira interpretará. Esqueça tudo o que você já viu em matéria de mundiais. Serão três países. Infinitas quarenta e oito seleções. Sugerindo um nível técnico como realmente nunca se viu.  Podem escrever o que estou dizendo: não demora e a Micronésia vai garantir um lugar na Copa. Não quero parecer aqui um descrente nos avanços. Só os ignorantes não aceitam a obviedade de que tudo está em constante transformação. Está aí o Santos que não me deixa mentir, o Santa Cruz. 

E é sempre bom saber que pelo menos no que diz respeito à Copa do Mundo não estaremos solitários. Os italianos verão, talvez novamente de longe, que já não se faz mais Copa como antigamente. Os alemães, os argentinos. Só não arrisco dizer que até no Uzbequistão isso se dará já que os uzbeques serão debutantes nessa. Importa é não ser refratário ao novo. Sinto-me tão vanguardista escrevendo isso. Que venha a Copa do Brasil com final em jogo único, a Série D com sua quase centena de elegidos. Como chegaremos lá não sabemos. Agora como chegaremos na Copa o jogo de amanhã contra a Coréia do Sul pode nos dar mais algumas pistas. Mas temo certo desapontamento já que  sob a batuta do prestigiado Ancelotti, e ainda que nada  venha a ser como antes, pouca coisa mudou.  

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O futebol acabou



Não se deixe levar pelo tom apocalíptico do título. Vai nele uma certa licença poética. Foi inspirado no dito por Renato Gaúcho dias atrás, na coletiva dada depois da eliminação do Fluminense para o Lanús na Copa Sul-Americana. Ocasião em que ele surpreendeu a quase todos anunciando a própria demissão. Disse o treinador do tricolor carioca, ainda no calor do que tinha rolado no gramado do Maracanã: "...eu dei uma entrevista há uns dois meses e hoje estou repetindo. Acabou o futebol. Acabou por causa daredes sociais. Tanto para o jogador quanto para o treinador ". 

Bom, que as redes sociais andam torrando nossa paciência é fato. E, ainda que eu acredite que há um sem fim de fatores envolvidos nessa tomada de posição, Renato Gaúcho colocou em evidência uma grande questão. Não me espanta que a crônica não tenha se interessado por essa grande bola pingando na área. Afinal, a essa altura já se faz um tanto difícil estabelecer a fronteira que a separa das redes sociais. Se a gente entende por crônica esportiva um, digamos, gênero que mescla análise e informação, sabemos todos que tanto uma coisa quanto a outra hoje brotam mais do mundo digital do que de páginas de jornais e programas de rádio ou TV.  Mas sou levado a crer que a premissa que baliza a mídia clássica ainda se distingue consideravelmente da digital. Embora essa fronteira se faça cada vez mais tênue. 

Essa realidade mudou o foco e, principalmente, o tom da cobertura. Grandes veículos viraram minoria nesse tipo de situação. O grosso da conversa é construído por canais e influenciadores que, não raro, cobrem apenas um clube. Num tom indulgente poderia dizer que esse desenho favorece interlocuções mais emotivas. Mas tratar o jogo com sentimento tem seu preço. E um deles é colocar em risco a qualidade da informação. Talvez  venhamos a ver o próprio Renato mostrar que o que pregou não era verdade. A menos que jamais voltemos a dar de cara com ele assumindo algum clube aqui ou no exterior. O que definitivamente comprovaria para ele que o futebol não acabou. 

Um fato é : a internet elevou o poder dos corneteiros à décima potência. E se há uma virtude que se esconde no mundo digital é a capacidade de mostrar sem firulas o quanto é difícil, pra não dizer impossível, agradar a todos. Aos que pretensiosamente sentem que conseguiram lamento avisar que essa sensação não passa de uma ilusão, obra-mor dos algoritmos. Como eu disse, há um sem fim de questões a orbitar nisso tudo. A  política e os políticos dos clubes, o imenso desafio de manter satisfeito um grande grupo de profissionais. Teria sido em virtude justamente de uma saraivada de críticas que Renato Gaúcho  decidiu se dar por vencido. 

Tempos atrás, meu amigo Arnaldo Ribeiro foi o primeiro a me chamar a atenção para o fato de que essa nova ordem fragmentou a torcida. Disse ele na ocasião, com propriedade: "Hoje há a torcida da internet e a torcida da arquibancada. E as duas se comportam de em geral de modos muito diferentes". E acho que nem é preciso dizer aqui qual delas é mais impaciente, mais visceral. E, para complicar de vez, essa capacidade que a torcida digital tem de amplificar seu descontentamento acaba pautando os clubes. Uma realidade ditada não exatamente pelo que vem das arquibancadas e sim por esse ecossistema que se formou em torno do futebol. Logo, não deve nos espantar nenhum pouco que a torcida virtual seja mais atuante do que a real. Ainda mais nestes tempos em que as Arenas - para muitos que por lá passam - viraram algo que não vai muito além de um espaço instragramável. 

Gostaria, portanto, de acreditar no que disse Ronaldo Fenômeno semana passada durante um evento no qual abordou essa relação com o mundo digital. O genial camisa nove choveu no molhado ao dizer que as redes sociais deram voz pra muita gente. E voltou a chover no molhado ao afirmar que há a crítica respeitosa e com critério, e uma outra violenta e ofensiva. Mas no que eu gostaria de acreditar é no que disse na sequência, que nunca levou em consideração em nenhum segundo da vida dele as críticas do segundo tipo. O que me fez aceitar melhor a postura de Renato Gaúcho, porque mais verdadeira. É difícil  crer que exista no mundo de hoje alguma figura pública de grande quilate que não tenha sido de alguma forma assombrada pelas tais redes sociais.