O futebol esbanja dribles. Nos impõe vários. Alguns muito impiedosos, porque insistentes. Falo do que sofremos toda vez que tentamos decifrá-lo. E não perdemos a mania. Essa constatação faz com que eu me sinta como um zagueiro desses estabanados que no afã de colocar um ponto final em uma investida adversária acaba sendo driblado duas vezes e, pra fechar, ainda erra o carrinho que tenta desferir já em notável desespero. Mas há dribles desse tipo que são suaves, como aquele que silenciosamente fustiga alguém que tenha decretado por aí que jogar em alto nível aos quarenta anos, nesse futebol supra físico que se desenhou, beira o impossível. Eis que olho pra TV e dou de cara com um jogo das Eliminatórias Europeias. De um lado a República Tcheca, do outro a Croácia. E lá está o quarentão Luka Modric, envergando a camisa dez com a elegância de sempre, sugerindo que é melhor a gente não tentar prever até onde se pode ir.
Quer mais um exemplo? Bom, outro veredito que já ouvi ser proferido por aí é aquele que decreta que essa inundação de estrangeiros vista no futebol brasileiro atualmente cobraria um preço terrível: o de limitar severamente as oportunidades dadas aos talentos das categorias de base. É conclusão difícil de refutar assim de primeira. Já andei assinando a tal. Mas um olhar atento às ultimas rodadas do Brasileirão inevitavelmente nos coloca uma pulga atrás da orelha. É só lembrar das alegrias que o garoto Gui Negão andou dando à torcida corintiana. E, em menor grau, o volante André, autor de um dos gols da vitória do timão sobre o Mirassol. Mas não pensem que é assim rasa a realidade que se contrapõe ao que pode parecer óbvio.
Lembremos do jogo maluco que fez o Vasco com o Vitória. Um quatro a três cheio de reviravoltas em que triunfou o time de São Januário graças a dois gols cheios de juventude. Um do camisa setenta e sete Rayan, de dezenove anos. E o outro, mais nobre ainda por ter sido o quarto do time da casa, o que garantiu de verdade os três pontos, marcado aos cinquenta e dois do segundo tempo por GB, de vinte anos. Mesmo nos poderosos Palmeiras e Flamengo que tanto gastaram para moldar seus elencos atuais a garotada dá as caras. Allan, no alviverde, que tem vinte e um anos, mas está no clube desde o sub-15. Wallace Yan, no Flamengo. Ainda que no segundo caso, do alto de seus vinte anos, o rubro-negro tenha acabado expulso no jogo contra o Bahia e forçado a torcida do Mengo a temer um tanto sua juventude. Ainda que os lances que redundaram na expulsão - e seu histórico em campo - sejam capazes de convencer qualquer um que se trata mais de uma deficiência comportamental do que técnica.
Há outros exemplos que poderiam ser pinçados, mas por falar no Flamengo não dá pra deixar passar, já que o assunto é esse, a oportunidade que teve Kauê Furquim. O garoto de apenas de dezesseis anos - que ao deixar o Corinthians e seguir para o time baiano meses atrás colocou os dois times em pé de guerra - foi colocado em campo por Rogério Ceni quando o jogo contra o rubro-negro estava perto do fim. Não é a toda hora que damos de cara com alguém dessa idade num jogo desse tamanho. Ainda mais quando a briga por um lugar ao sol no futebol brasileiro nunca pareceu tão acirrada. O próprio Ceni foi muito bem ao não esconder a realidade e dizer que se tivesse a disposição o argentino Sanabria, ou o ponta EricK Pulga, Furquim não teria saído do banco de reservas. Enfim, talvez essa nova realidade do futebol brasileiro não se faça adversária do sonho que desde sempre foi de tantos meninos. Tem sido bom ver o argentino palmeirense Flaco Lopez, ou o colombiano Kevin Serna, do Fluminense, jogando o fino. Mas nada como poder desfrutar desse tipo de talento que, além de tudo, se fez para nossa tristeza produto de exportação precoce. E que o futebol nos reserve outros dribles.
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