quinta-feira, 2 de março de 2023

De olho no futebol dos outros



Nos dois últimos meios de semana quem conseguiu acompanhar os jogos do principal torneio de clubes da Europa renovou em si aquela sensação desconfortável de que o que andamos desfrutando por aqui em matéria de futebol está a anos luz do que se desenrola por lá. Não descarto que caiba aí um sem fim de colocações. Inclusive a de que boa parte do brilho que se vê por lá é fruto de talentos que nascem entre nós. Está aí o Vini Júnior como prova. Ninguém melhor do que ele para ilustrar isso. Enfim, estamos falando de um centro para o qual convergem há tempos os melhores do mundo tenham eles nascido na Noruega ou em um país da África. E pode soar como coisa de ranzinza dizer que mesmo uma bola atrasada por lá é mais virtuosa do que uma que se atrasa aqui. E como se atrasa. A dinâmica de um jogo de primeira linha do futebol europeu derrama graça até no mais tosco dos chutões. E há outro ponto: jogos como o que se deu entre Liverpool e Real Madrid estão em um patamar que também não é o do futebol europeu em sua totalidade. Muito pelo contrário. 

Um modo sonhador de desarmar esse enredo seria apelar para a ousadia. Pensar o jogo de bola de maneira diferente. Aceitar correr riscos. Teorias que estamos cansados de saber que nenhum dos nossos professores está disposto a adotar. Mesmo os que têm à disposição um elenco talentoso Mas já que não conseguimos copiar o futebol, que tal copiar o comportamento? Isso mesmo. Não enlouqueci, ainda. Tente por um instante fazer esse exercício. Imagine nosso futebol, esse mesmo que está aí, sem maiores mudanças, mas sem jogadores caindo depois de qualquer encontrão com o adversário. Com os goleiros sendo obrigados a cumprir minimamente o tempo estipulado pra reposição de bola. Sem os fingimentos constantes que tentam convencer o árbitro de que aquela mão no rosto teve a força de um golpe desferido por um peso pesado. Daríamos , ou não daríamos, um lustro na coisa? 

Digo mais, imagine o futebol não livre - o que seria irreal - mas com os rompantes de valentia tão comuns nos clássicos reduzidos a algo que não afrontasse deveras a civilidade. Atitudes que acostumamos a ouvir que esquentam jogos. Ora, o que esquenta jogo é lance bom. Disposição pra jogar. O que esquenta jogo é time procurando o gol. Criando chances claras de fazer a bola ir dar no fundo da rede adversária. Isso tudo somado a uma arbitragem menos intervencionista e, acima de tudo, mais preocupada em educar os jogadores fariam muito pelo futebol. Não sou inocente a ponto de pensar que todas essas bizarrices não sejam vistas na Europa. O fato é que se dão de modo que não comprometem o espetáculo. 

Acho difícil alguém de bom senso não aceitar a conclusão de que um jogo bem conduzido e uma arbitragem preocupada verdadeiramente em preservar o espetáculo não operariam milagres. Mas estamos na contramão. Entre nós passou a ser um lugar comum afirmar que árbitros muito exigentes podem comprometer o espetáculo. Quantas vezes não notamos que os jogadores em campo parecem menos preocupados em jogar bola e mais preocupados com a catimba. É disso que eu falo ao me referir a um jogo bem conduzido. É disso que eu falo quando digo que se não dá pra copiar o jogo deveríamos , ao menos, tentar copiar o comportamento visto num futebol que gostaríamos de poder chamar de nosso. 

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