sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O futebol no Bar do Zé Ladrão

 


Todo mundo sabe que o bar do Zé Ladrão fechou. E não foi por causa da pandemia. As notícias que chegam nos dizem que, ao contrário do que muitos pensavam, Seo Zé tem conseguido ser feliz longe do balcão. Cercado que anda por plantas e netos num sítio bem cuidado do interior paulista. Mas como sei que deixou entre nós uma pequena multidão de saudosos divido com vocês o sonho que tive dias desses. O roteiro como irão ver nada teve de onírico. Eis que estava, como era costume, encostado perto da porta, na minha, só sacando o que se passava. Deitando sobre todos aquele ar de investigador do cotidiano. Na outra ponta estava Alfredinho, o juventino, boa praça demais, fazendo como sempre seus apartes bem colocados entre uma prosa e outra. Transformando com maestria os papos de cada roda numa conversa só. 

Eis que chega um cidadão que eu não conhecia já fazendo graça com o Zé. Dizendo que o Corinthians dele tava com nada e que melhor seria desistir logo do Mancini e contratar um gringo, porque aí pelo menos se o time não virasse ficaria na moda. Imaginei que devia ter alguma rodagem porque o Zé nem tratou de usar a arma que costuma usar com os indesejados. Um olhar de desdém seguido de um aviso de que não está entendendo a conversa já que torce pra Portuguesa. Costuma colar. Zé é um artista.  Não custa lembrar que o bar, embora plural e democrático em vários aspectos, está cravado em território palmeirense. Dá pra dizer que é até vizinho do Allianz Parque. 

Desfrutar mesmo de tal sonho é coisa que só pude fazer depois de ter despertado.  Pagando o preço que se paga por esse tipo de experiência, ver sumir da mente um sem fim de detalhes. Seleção Brasileira, isso pude lembrar, foi assunto que não colou. Se perdia entre um gole e outro como vento. Quem sabe no dia em que a CBF decidir resolver esse conflito com os clubes e parar de rapinar seus melhores talentos  fora das datas FIFA. Papagaio, como a alcunha sugere, sempre alimentando conversas, foi quem deu o ponta pé inicial no tema que viria a se mostrar o mais incendiário e , portanto, perfeito pro momento. Deu um gole no Steinhaeger, outro na cerveja e disparou que o futebol brasileiro já era. Que achava um absurdo essa invasão de gringos, que ao contrário de virar manchete como acontece a cada vez que um treinador estrangeiro desembarca por aqui, vai se dando na surdina, como se nada tivesse acontecendo. 

Onde já se viu um país com a tradição do Brasil chegar a ter até  cinco gringos em campo? E soltou uma risadinha sacana pra avisar que era o nosso jeito de ficar parecido com a Premier League. Cruel.  Lá do fundo alguém elogiou Abel Ferreira, o português que agora dirige o  Palmeiras, dizendo que o homem foi bem demais quando perguntado sobre suas referências ao dizer, com todas as letras, que a referência dele era o conhecimento. Mas pelo visto isso se deu quando a noite já ia alta porque ali do canto vendo o Fred, o velho papagaio símbolo do bar traçar um amendoim, só ouvi uma voz enrolada falar em altura descabida que lá vinha o papo de intelectual.    


Ps- A ilustração fica como dica. Livro do mestre Aldir Blanc, PhD em matéria de bar.  

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