quarta-feira, 24 de abril de 2019

Os meninos




Foto: Ivan Storti

O menino é figura primordial no futebol.  Deveria ser encarado como patrimônio imaterial como o próprio jogo. Não nego que no início de tudo gente mais crescida foi quem colocou a roda pra girar, mas a grande engrenagem foi desde sempre o menino. E perdoem se vou cravando o tema assim no masculino neste tempo em que o politicamente correto não costuma perdoar.  É que a trajetória que quero relatar foi escrita assim. Em outras palavras, traço estas linhas inspirado por uma matéria que li no último domingo e que falava da relação que o técnico Jorge Sampaoli estabeleceu com garotos que tinham o hábito de acompanhar os treinos do time santista de cima de uma árvore.  

O tema já tinha me tocado dias antes ao dar de cara com um registro do amigo e fotógrafo Ivan Storti do momento em que o argentino passeava pelo CT rodeado pela garotada. E é por causa da realidade que hoje cerca todo menino que ando convencido de que o futebol não será no futuro o que foi no passado. O mundo mudou o menino, logo o futebol jamais poderá ser o mesmo. Talvez os que têm hoje a minha idade pertençam à última geração em que o jogo de bola se fazia a grande sedução. A modernidade trouxe outras. A relação do menino com a bola foi um dia tão forte que considero que os que se devotaram ao jogo e à ela estão mais do que aptos a falar de futebol em qualquer instância. De certo modo, inclusive,  me amparo muito nisso pra exercer meu ofício, pois jogador profissional nunca fui. E a essa altura jamais serei. 

Difícil saber se os garotos de Sampaoli resistiram a outras seduções ou se são crianças que foram privadas delas. De uma forma ou de outra - e haja lirismo nisso - são crianças à moda antiga,  devotas do velho e bom jogo de bola.  Meninos que se fossem encontrados por aí de forma abundante como em outras décadas me fariam crer que ainda é possível manter alguma esperança de que um dia o futebol voltará a ser o que foi. Embora ache que o lugar acabará ocupado por diversões como o cartola FC ou qualquer outro tipo de e.sport, ainda que sobre esse eu não saiba quase nada, nem como se joga. 

O tema me fez recordar uma história que eu vivi como repórter naquele mesmo CT, no dia de sua inauguração. Se já contei aqui peço perdão mais uma vez, agora pela senilidade. Verdade é que levaram o Pelé lá pra solenidade, se não me engano só havia um campo pronto. O resto era improviso. O Rei do Futebol ia chegar e acreditem não havia uma única bola no lugar.

Mas havia ali, lado a lado, com a imprensa vários garotos que tinham pulado o muro e ido lá ver tudo de perto. Apelei a um deles. Pedi pra que me arrumasse uma bola. E o menino cumpriu a missão à risca, e rápido. Foi a bola que Pelé colocou no meio do campo e veio dominando  até mandar pro gol, com ele mesmo narrando a jogada e dizendo que tinha sido o autor do primeiro gol marcado naquele lugar. Terminada a solenidade fui devolver a bola ao garoto, já assinada pelo Pelé, e lhe fiz uma oferta por ela. O menino, de olhos brilhando, não topou. Sempre fico pensando que fim  terá levado. Mas algo me diz que apesar de sua importância tenha voltado a rolar e aos poucos foi perdendo o nobre autógrafo do Rei. E é por acreditar nisso que eu digo: o menino é figura primordial no futebol.         

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