quarta-feira, 1 de maio de 2019

Mora na filosofia



Peço a vocês o direito de filosofar um tanto. Não é só pra fazer rusga ao governo que pelo visto não tem a filosofia em alta conta. O que não me espanta. O que me espanta - e já conversei isso com amigos - é o espaço que os filósofos conquistaram nos últimos tempos. Faz uns trinta anos fui aluno de uma faculdade de filosofia. Não era o meu caminho. Mas a passagem por lá, que durou pouco mais de um semestre, carreguei pra sempre.  Fez com que eu tivesse consciência do pensar. E quem pensa contesta. Naquele tempo era impossível imaginar que um dia um filósofo seria figura fácil em programas de TV e que seriam lidos e ouvidos com muito interesse. O que considero um progresso, especialmente para os filósofos.

Nada escapa da filosofia, nem o futebol. Não dá pra armar um time sem pensar, embora estejamos cansados de ver em campo times vazios de ideias. Mas escolhi o tema para chegar à palestra organizada pela CBF dias atrás que teve os técnicos Tite, Jorge Sampaoli e Fernando Diniz falando sobre seus conceitos. Logo, sobre seus modos de pensar. As explanações de Tite, talvez por suas ideias já serem tão conhecidas, não mexeram muito comigo. Mas as de Sampaoli me chamaram a atenção. E, devo dizer, depois de ter assistido a apresentação dele ao dar de cara com a partida entre Santos e Vasco, em São Januário, tudo pareceu fazer mais sentido. Falo de acertos e erros, que foram muitos aliás.

A certa altura  Sampaoli disse que prega valores e sempre reforça que o escudo e a bandeira estão acima dos jogadores. O que segundo ele os leva a atuar de uma forma que tem muito mais  a ver com o protagonismo do que com o ficar esperando. Ou seja, nossa falta de atitude pode ser uma questão cívica. Fácil de entender quando o escrete nacional faz tempo parece ter deixado de pertencer ao país. Não era o que eu procurava mas sem querer temo ter encontrado a razão da nossa seleção não ter a atitude que se espera dela e que nos enerva há tempos.

Mas a grande figura foi mesmo o técnico do Fluminense, Fernando Diniz,  que subiu ao palco dispensando o auxílio de power points e afins. Coisa elogiável, pois sabemos todos que eles são um perigo. Quem além de Diniz seria capaz de inserir num papo desses sobre futebol e esquemas táticos a angústia como tema? Ninguém! Mas, Diniz, psicólogo formado, deve ficar esperto porque depois de atacar a filosofia e a sociologia tudo me faz crer que o governo atual não tardará a fazer da psicologia também algo a ser combatido.

Poderia enaltecer aqui a ousadia dele como treinador ao propor um jogo que privilegia os fundamentos, que não se rende ao resultado, que se recusa ao reducionismo defensivo. Pelo que entendi a razão que o faz correr todos esses riscos é, acima de tudo, livrar o jogador que comanda da tal angústia que o castigou durante todo o tempo em que ele viveu como atleta. Ser tratado como coisa é muito ruim, afirmou, incomodado. Mas para Diniz a maior distorção do futebol  é tratar os que jogam bem como seres superiores. Declaração que vem a calhar na semana em que Neymar fez o que fez  e ao dar uma entrevista pouco antes tinha defendido que os fora-de-série merecem tratamento diferenciado. Por essas e outras imaginar que será possível mudar o futebol sem levar em conta a necessidade de pensá-lo não passa de ilusão. Enfim, é preciso filosofar, sempre, Sr presidente!

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