quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O teor das entrevistas


Não sou velho mas sou do tempo em que um jornalista que ia a um treino de futebol tinha liberdade para escolher onde queria ficar e o jogador com o qual gostaria de falar. Contando assim pode dar a impressão de que foi quando Charles Miller pintou por aqui com uma boa de futebol debaixo do braço, mas essa era a realidade que se dava há menos de três décadas. E não houve gritaria capaz de impedir esse distanciamento entre a imprensa e os personagens do esporte  mais popular do nosso país. Em última instância não seria exagero dizer que a liberdade de imprensa tão reivindicada nos tempos atuais, em matéria de futebol, foi mandada pra escanteio. 

Logo, não deve causar espanto que as entrevistas concedidas com a intenção de saciar a necessidade dos veículos de comunicação venham cada vez mais revestidas de um linguajar previsível, quase cartorário. E como se não bastasse essa formalidade, essa comunicação de viés antes de tudo institucional, passamos a viver a sob a sombra do que se convencionou chamar de politicamente correto. Mas eis que outro dia dei de cara com uma declaração surpreendente, do tipo que não sobreviveria a peneira das assessorias e seria duramente reprovada em qualquer midia training, que pra quem não sabe é como uma simulação do contato de atletas - e profissionais em geral - com a imprensa. Cria-se a atmosfera de uma entrevista e ensinam como se comportar e o que dizer durante essa situação. 

A declaração de que falo passou despercebida. Foi dada por um dos nadadores brasileiros mais promissores da nova geração, Vinicius Lanza. Quando o repórter lhe perguntou a razão de ter se tornado nadador Lanza esbanjou sinceridade e disse: " Minha família tem tradição em pescaria. Os caras gostam de tomar uma na frente do rio e pescar. Então, meu pai, por segurança, me colocou na natação porque muitas vezes ele está só comigo no barco, foi uma forma de proteção mesmo. Tomei gosto pelo esporte, mostrei talento e fui levando. Já são dezoito anos nadando e estou feliz de estar chegando onde sempre sonhei". Lanza, que tem vinte e um anos, é a principal aposta do Brasil na natação para os Jogos Olímpicos de 2020. Por ínfimos cinco centésimos não esteve nos Jogos do Rio disputando os cem metros borboleta. 

Duas coisas merecem ser ditas. A primeira é que não foi por acaso que uma declaração sincera assim tenha se dado fora do futebol. Esse cerceamento pode até ser , de certa forma, algo que valha para todos os esportes que produzem personagens de apelo midiático, mas é infinitamente mais presente e duro no principal esporte do nosso país. E isso o empobrece. Quando se cobre outras modalidades a velha relação repórter atleta ainda é visivelmente mais intacta nesse sentido. E é óbvio que ela não traz só perigos. Rever essa relação de certa forma poderia humanizar um pouco mais o futebol, que anda tão profissional.  Quando o profissionalismo é do interesse dos que mandam nele, obviamente. Mas a segunda questão se faz ainda mais importante. O ensinamento maior que as palavras de Lanza revelam é a confirmação de que a chance da prática esportiva deve ser dada a todos.  O resto o esporte se encarrega de fazer. 

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