quinta-feira, 26 de julho de 2012

Verdades, mentiras e interesses


Nós, na condição de debutantes e futuros anfitriões de uma edição dos Jogos Olímpicos, devemos prestar muita atenção no desenrolar dos fatos em Londres. Copiar nem sempre é pecado. Não devemos ter pudor nesse sentido. Fato é que os britânicos deram uma banana para o espírito olímpico e decidiram impedir o presidente da Síria e uns certos ditadores de entrar no país, ainda que eles tenham atletas inscritos nos jogos.

Um dos ditadores impedidos é Robert Mugabe, do Zimbábue. Aquele mesmo que tempos atrás recebeu a seleção brasileira para um amistoso e fez valer o cachê de dois milhões de dólares pago ao nosso escrete, fazendo questão de ir a campo cumprimentar nossos jogadores. Presidente desde 1980, Mugabe atravessou as últimas décadas com seu governo sendo acusado internacionalmente de violenta perseguição contra opositores políticos e representantes de outras etnias.

Durante esse período, pelo que já li, a população branca do Zimbábue minguou severamente. Descendentes dos colonizadores britânicos perderam terras e empregos e milhares bateram em retirada. Ainda que os laços históricos nesse caso sejam mais estreitos, essa decisão recente tomada pela Inglaterra não deixa de revelar uma nova dimensão do papel vergonhoso aceito pelos nossos cartolas. Num país dito sem memória nunca é demais lembrar.

Se iremos sentir orgulho, ou não, da nossa custosa Rio 2016 só o tempo dirá. O que sei é que a cúpula do Comitê Olímpico Brasileiro estará na capital inglesa com a missão de fechar novos patrocínios. Nesse quesito somos um sucesso absoluto. Nossos organizadores esperavam chegar aos 700 milhões de reais com patrocínios mas essa quantia foi superada e agora se fala 1,2 bilhão.

Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB afirma que " há uma percepção no mercado de que os jogos de 2016 representam uma oportunidade única de crescimento não só para o Brasil, como para toda a América do Sul". Único, Sr Nuzman, seria ver nosso país crescer como crescem países que levam educação, infra estrutura e oportunidades a sério. Único seria ver nosso país, um ano ao menos, apresentar uma taxa de crescimento parecida com a deles.

Nem é preciso conhecer economia a fundo para saber que não anda assim tão fácil encontrar um mercado otimista por aí. Sem dizer que quando o assunto é fazer valer o quase um bilhão de reais investidos pelo governo federal na preparação da equipe nacional nos últimos quatro anos esse otimismo desaparece. Aí se fala em quinze medalhas, ou seja, repetir o que foi feito em Pequim.

Saber o que é verdade, o que é mentira e o que é interesse em matéria de olimpíada é um desafio. Por exemplo, quando ouço Sebastian Coe, presidente do Comitê Organizador dos Jogos de Londres falar sobre o uso das ferramentas sociais da internet, dizendo acreditar que existe uma relação entre o número de mensagens enviadas durante a competição e o baixo rendimento de um atleta, não consigo acreditar que ele não esteja sendo corporativista.

Todo mundo sabe que existe uma censura no uso dessas ferramentas por parte dos atletas nas Olimpíadas. Coe, que foi bicampeão olímpico dos 1500 metros, disse que quando corria queria se
"concentrar apenas na competição. Sabia que aquele momento era único". Que descoberta, não?
O que ninguém fala é que Sebastien Coe, depois de deixar as pistas, se tornou político, filiado ao Partido Conservador. Ele era rápido, mas pelo visto foi ultrapassado pela modernidade.

Será que Michael Phelps fez uso das redes sociais em Pequim? E Mark Spitz teria virado o nadador incrível que virou se tivesse feito uso "indiscriminado" da internet? Se a Olimpíada quer o melhor dos homens, porque não dar a eles o direito de escolha, liberdade?

Ouvindo Sebastien Coe, e até Mano Menezes, que preferiu fazer da Vila Olímpica apenas um passeio para nossa seleção (para entrar no clima) fico com a impressão de que as maiores ameaças aos atletas não são mais os adversários e suas incríveis capacidades físicas e mentais, mas sim as tentações da internet ou da dita profana Vila Olímpica.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os cartolas e os meninos


I


Não é de hoje que os números me causam arrepios e não se trata apenas de resquícios de um trauma por ter sido reprovado em matemática quando cursava a distante quinta série. E isso num tempo em que levar bomba significava ter de refazer todas as matérias novamente, inclusive, aquelas em que sua nota média anual girava em torno de nove ou dez. Não riam, elas existiam. Pior ainda quando lembro que a reprovação veio depois de uma recuperação exaustiva que me deixou a apenas 0,25 de passar. Até hoje desconfio que mais terrível do que a matemática era a professora. Mas...passou, ou quase.

E o problema não é exatamente a matemática, que considero fascinante. Difícil pra mim é enxergar os números como um reflexo da verdade, seja na vida e, principalmente, no futebol. O jogo e o viver são muito mais ricos e complexos do que qualquer estatística. Aí abro o jornal e fico vendo todo o bafafá em torno do sigilo que foi quebrado na Suiça e que deixou João Havelange e Ricardo Teixeira como que de cuecas em praça pública.

Até que ponto as cifras, os números estampados nos jornais refletem o tamanho do delito desses dois cartolas do futebol brasileiro e mundial? Por anos, decisões importantes do futebol aqui e no mundo passaram nas mãos desses dois senhores e a conta ora exposta diz apenas das falcatruas da ISL. E mesmo assim quem acredita que isso é tudo que eles levaram? A vida, além de tudo, sempre é mais expressiva do que os números.

Agora vem o Blatter dizer que "suborno é inaceitável". Ora, acreditar que exista um inocente nesse teatro é para mim tarefa tão árdua quanto acreditar nos tais números. E é tudo tão maluco que já não sei nem de onde vem tamanha indignação se já estávamos cansados de saber o que os jornais só puderam estampar alguns dias trás.

E onde encontrar razão para crer que os bastidores do Comitê Olímpico Internacional são mais íntegros que os da FIFA? Havelange mesmo, até outro dia estava lá e cá. A situação de todos nós que gostamos de esporte acaba sendo um pouco a do cara que não quer aceitar que foi traído. Por amor, ou seja lá o que for, preferimos acreditar que o esporte está a salvo da cobiça dos homens, que através da história o enalteceram e o dilapidaram. Só pode ser porque insistimos em acreditar que há algo de tão puro nele que nenhuma mazela ou maldade irá ferir. Não pode haver outra razão.


Vejo o desembarque do nadador Cesar Cielo no aeroporto de Heathrow, em Londres, citando Walt Disney, dizendo que prefere acreditar no impossível pois é uma maneira eficaz de eliminar vários concorrentes e percebo que ali, de alguma forma, a alma do esporte resiste.

II


Já no caso da nossa jovem seleção a coisa é um pouco diferente. Mano Menezes está certo quando diz que o futebol é um mundo à parte na Olímpíada. É mesmo e, de tão grande, ao longo da história foi colocando à prova a honestidade dos homens. Deu no que deu, no que está dando.

Por falar na nossa jovem seleção que amanhã faz amistoso com a Grã-Bretanha, Mano dá todas as pistas de que está no foco, ciente da chance que tem nas mãos e faz de tudo para aproveitá-la. Terá minha torcida, não que eu tenha entendido tudo que ele quis fazer até aqui, mas o vejo como um profissional desfrutando de um momento que conquistou de maneira legítima.

Por outro lado não deve estar sendo fácil para os meninos. Além das cobranças, ainda houve esse período de treinamento na escola de educação física do exército antes de embarcar e, como se não bastasse, os guris ainda ficarão longe da Vila Olímpica.

Segundo disse o treinador da seleção "não vamos ficar nela por causa dos problemas que pode nos trazer, e não estamos atrás de problemas e sim de benefícios." O treinador brasileiro prometeu apenas uma visita para entrar no clima olímpico.

Mas poxa Mano, logo agora que a molecada já tinha dito que estava louca para conhecer a Sharapova? O que não se faz por causa de uma medalha olímpica que nenhum boleiro brasileiro jamais teve no peito, hein?

Vida de jogador não é fácil. Mas a de cartola pelo visto é.



sexta-feira, 13 de julho de 2012

Chegadas e partidas



Chegadas e partidas vão dando o tom do futebol brasileiro depois deste inverno ter nos brindado com um caloroso e colorido veranico. A chegada do consagrado Clarence Seedorf ao Botafogo deixa no ar a esperança de que colocamos um ponto final num tempo em que os torcedores daqui podiam sonhar apenas com craques de outras agremiações ou, quem sabe, com um ou outro patrício já muito rodado além das nossas fronteiras.

Mas não é prudente esquecer o papel do destino em tudo isso. O holandês Seedorf é casado com uma brasileira, fala português, chegou a ter um apartamento no Rio, portanto, tudo indica que essa proximidade tenha pesado mais do que a grana na hora de bater o martelo. E como o destino foi generoso com o futebol brasileiro. Mais do que suas qualidades técnicas, Seedorf tem sido reconhecido ao longo da carreira por sua formação e comportamento. E, sejamos sinceros, isso nos faz muita falta também.

Longe de ter a mesma relevância por questões que vão muito além do jogo a chegada de Forlán ao Internacional reforça a tese de que os cofres dos clubes brasileiros nunca tiveram tanto a oferecer. Alimento apenas um temor com relação a contratações desse porte. Não é de hoje que os nossos dirigentes defendem com unhas e dentes a tese de que não é possível montar um grande time sem gastar. E como uma estrela faz a roda do faturamento girar!

A chegada de Ronaldo ao Corinthians algum tempo atrás e seu sucesso dentro e fora de campo serviram de alavanca para os entusiastas desse modelo gastão. Nesse momento ninguém lembra que o Botafogo é o clube que mais deve no Brasil, trezentos e oitenta milhões de reais. O velho argumento de que o time não vai gastar nada volta a ser usado, como sempre. Difícil é acreditar que o clube irá ganhar, como poderia e deveria, se a ele pedem apenas para entrar com a marca.

No caso da chegada de Ney Franco ao São Paulo o lado menos explorado e nebuloso a meu ver é outro. Quer dizer que o presidente da CBF acha que tudo bem perder um profissional como Ney? Escutei várias versões, inclusive, a de que a competência de Ney Franco teria virado um problema para Marín. Encontro mais motivos para acreditar em uma outra possibilidade.

Há tempos se fala que Mano Menezes não é a pessoa que Marín enxerga como ideal para comandar a seleção. Logo, ao permitir que Ney Franco deixasse de ser coordenador de base para assumir o comando técnico do São Paulo o presidente da CBF, que é tricolor e todo mundo sabe, não apenas ajudou o time que lhe é caro como conseguiu criar - no mínimo - um desconforto para o diretor de seleções, Andres Sanchez, e ainda por cima enfraquecer Mano Menezes.

Talvez todos os envolvidos neguem o fato mas basta dar uma rápida pesquisada nas notícias de outubro de 2010 para se certificar de que Ney tinha sido uma indicação de Mano Menezes, aliás, uma belissíma indicação. Que Marin aos poucos vai levando o barco pra onde quer, isso me parece muito claro. Como parece evidente também que Mano fica cada vez mais dependente da medalha de ouro.

Depois de tantas chegadas, uma partida chama a atenção, a do clássico Paulo Henrique Ganso. Tão grande quanto o talento do jogador tem sido o desencontro de interesses entre ele e o Santos, entre o Santos e os representantes do atleta. E pensar que há pouco tempo quando por brincadeira alguém perguntava: Ganso ou Neymar? Não foram poucas as vezes em que ouvi optarem pelo primeiro. Diante disso tudo resta torcer pra que ele, o Santos e todos os envolvidos saibam, ao menos, onde querem chegar.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

O passe é pop


O passe é uma realidade. Sem ele o futebol seria inviável. Ou, talvez, com alguma licença poética, seria possível afirmar que sem ele o jogo acabaria reduzido a uma diversão para uns poucos iluminados, desses que têm o dom de sair correndo com a bola dominada em direção ao gol adversário sem que ninguém os consiga parar. Coisa pra Ronaldo, Maradona, Neymar.

O passe está na moda, como se fosse uma cor ou um corte de roupa - manjados - que sem ninguém conseguir explicar porque voltam a ser a sensação da estação. O estilo de jogar da seleção espanhola contaminou o futebol europeu. É o que sugerem as estatísticas. A louvável média de quatrocentos e cinquenta passes certos durante uma partida, patamar exclusivo da Espanha campeã da Eurocopa em 2008, agora é também virtude de outras cinco seleções que disputaram o torneio este ano.

Uma moda tão forte que teria tido, inclusive, o poder de mudar o estilo dos italianos. Só acho estranho que o Barcelona tenha sido colocado de lado na hora de falar da questão, pois foi a força do time catalão nesse quesito que acabou ditando moda para a "Fúria" e praticamente obrigando-a a se enquadrar, a aceitar o padrão.

Pelo que sei e andei conversando por aí, os que acompanham o futebol há muito tempo são capazes de enxergar com facilidade que se trata mesmo de um resgate, um revival desses que vira e mexe permitem que a gente vá buscar algumas coisas no fundo do armário. Os mais velhos lembram bem que décadas atrás os argentinos, mais do que os brasileiros, mostravam vocação muito parecida. O toque de bola irritante era uma das coisas que se tinha de aturar durante um encontro com eles.

Olhando atentamente o futebol brasileiro é possível perceber que não estamos alheios a essa moda, ainda que o modelito mais moderno usado por aqui esteja longe de ser considerado de ponta. Não sei o que as estatísticas dos times brasileiros mostrariam, mas não é difícil perceber que times como o Santos têm demonstrado muita vontade de seguir essa tendência. E não deve ser por acaso.

Ninguém por aqui sentiu tão de perto a eficácia de uma troca de passes constante e precisa como o time da Vila. Mesmo avesso a impregnar o discurso com argumentos táticos e técnicos tenho a impressão de que o país do futebol está diante de um enorme desafio já que a troca de passes para ser eficaz exige duas outras condições que não são exatamente nossa especialidade. A movimentação e a obediência tática.

Já disse e não custa repetir. Na falta de atitude nesse sentido, que muitas vezes contamina nossos jogadores, a troca de passes intensa permite que se faça do passe uma espécie de escudo. Ter o passe como prioridade evita a responsabilidade de criar, de partir pra cima. E nem vou falar das nossas evidentes deficiências quando o assunto são os fundamentos. Esta aí outra grande lição da Espanha. Ter um número considerável de jogadores acima da média, com capacidade de partir pra cima ou de brilhar individualmente, mas que mesmo assim preferem fazer da movimentação e da troca de passes suas maiores armas.

 Na esteira do sucesso a Espanha acabou comparada à seleção brasileira de 1970 e não tardaram em apontar que se trata da maior hegemonia do futebol já que o Brasil campeão do mundo em 1958 e 1962 foi apenas vice na Copa América disputada entre aquelas duas copas. Calma lá. O modelo é sedutor mas não perco a fé no nosso improviso e na nossa ginga, mesmo que um número cada vez maior de especialistas diga que virtudes exaustivamente planejadas, ensaiadas, possam ser páreo para o talento em estado bruto.