quarta-feira, 4 de julho de 2012

O passe é pop


O passe é uma realidade. Sem ele o futebol seria inviável. Ou, talvez, com alguma licença poética, seria possível afirmar que sem ele o jogo acabaria reduzido a uma diversão para uns poucos iluminados, desses que têm o dom de sair correndo com a bola dominada em direção ao gol adversário sem que ninguém os consiga parar. Coisa pra Ronaldo, Maradona, Neymar.

O passe está na moda, como se fosse uma cor ou um corte de roupa - manjados - que sem ninguém conseguir explicar porque voltam a ser a sensação da estação. O estilo de jogar da seleção espanhola contaminou o futebol europeu. É o que sugerem as estatísticas. A louvável média de quatrocentos e cinquenta passes certos durante uma partida, patamar exclusivo da Espanha campeã da Eurocopa em 2008, agora é também virtude de outras cinco seleções que disputaram o torneio este ano.

Uma moda tão forte que teria tido, inclusive, o poder de mudar o estilo dos italianos. Só acho estranho que o Barcelona tenha sido colocado de lado na hora de falar da questão, pois foi a força do time catalão nesse quesito que acabou ditando moda para a "Fúria" e praticamente obrigando-a a se enquadrar, a aceitar o padrão.

Pelo que sei e andei conversando por aí, os que acompanham o futebol há muito tempo são capazes de enxergar com facilidade que se trata mesmo de um resgate, um revival desses que vira e mexe permitem que a gente vá buscar algumas coisas no fundo do armário. Os mais velhos lembram bem que décadas atrás os argentinos, mais do que os brasileiros, mostravam vocação muito parecida. O toque de bola irritante era uma das coisas que se tinha de aturar durante um encontro com eles.

Olhando atentamente o futebol brasileiro é possível perceber que não estamos alheios a essa moda, ainda que o modelito mais moderno usado por aqui esteja longe de ser considerado de ponta. Não sei o que as estatísticas dos times brasileiros mostrariam, mas não é difícil perceber que times como o Santos têm demonstrado muita vontade de seguir essa tendência. E não deve ser por acaso.

Ninguém por aqui sentiu tão de perto a eficácia de uma troca de passes constante e precisa como o time da Vila. Mesmo avesso a impregnar o discurso com argumentos táticos e técnicos tenho a impressão de que o país do futebol está diante de um enorme desafio já que a troca de passes para ser eficaz exige duas outras condições que não são exatamente nossa especialidade. A movimentação e a obediência tática.

Já disse e não custa repetir. Na falta de atitude nesse sentido, que muitas vezes contamina nossos jogadores, a troca de passes intensa permite que se faça do passe uma espécie de escudo. Ter o passe como prioridade evita a responsabilidade de criar, de partir pra cima. E nem vou falar das nossas evidentes deficiências quando o assunto são os fundamentos. Esta aí outra grande lição da Espanha. Ter um número considerável de jogadores acima da média, com capacidade de partir pra cima ou de brilhar individualmente, mas que mesmo assim preferem fazer da movimentação e da troca de passes suas maiores armas.

 Na esteira do sucesso a Espanha acabou comparada à seleção brasileira de 1970 e não tardaram em apontar que se trata da maior hegemonia do futebol já que o Brasil campeão do mundo em 1958 e 1962 foi apenas vice na Copa América disputada entre aquelas duas copas. Calma lá. O modelo é sedutor mas não perco a fé no nosso improviso e na nossa ginga, mesmo que um número cada vez maior de especialistas diga que virtudes exaustivamente planejadas, ensaiadas, possam ser páreo para o talento em estado bruto.




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