quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lembranças de ouro


Sei que a seleção fez o que fez na Suécia, que a situação do Mano vai continuar na boca do povo, que o Santos a noite  promete ser outro, mas não tem jeito. Hoje, senhores, venho aqui expressar minha nostalgia. E foi a nossa seleção de vôlei feminino que a provocou. Aquele duelo inesquecível com o time dos Estados Unidos me revirou e eu me peguei com os olhos cheio d'água, grudados na TV.

Segurei a onda direitinho até que num determinado momento, num corte de câmera, vi, no detalhe, as joelheiras de uma das jogadoras. A partir dali veio uma avalanche, uma avalanche de lembranças que elucidou o que eu estava sentindo. Lembrei, com uma saudade doída, do tempo em que elas, as joelheiras, fizeram parte da minha vida. Um tempo bom e nem tão curto assim.

 Descobri o vôlei muito antes dos quinze anos. Fui treinar no São Vicente Praia Clube, sob orientação de um técnico chamado Marcelo, que como meu professor de violão, jamais esqueci. E graças a uns primos mais velhos que todo final de semana montavam uma rede ali no José Menino, atrás dos prédios construidos na faixa de areia, fiz dele quase coisa séria. Era sagrado.

Além dos treinos no clube, todo final de semana e feriado chegávamos no meio da manhã, montávamos a ta l rede, e jogávamos até cansar. O limite, em geral, era o meio da tarde. O voleibol brasileiro ainda não tinha pisado em nenhum degrau do pódio olímpico. De repente, vendo aquele duelo incrível me surpreendi alimentando a vaidade de ver o nosso vôlei conquistar o ouro no feminino e no masculino, coisa que até hoje só a extinta União Soviética havia conseguido. Não poderia haver desafio maior.

Naquela época distante eram justamente os soviéticos o modelo. Lembro da cara da molecada quando alguma revista gringa chegava às nossas mãos com fotos do time deles. Ficávamos todos de boca aberta. Até hoje não esqueci de uma foto do Xandó que encontrei em uma dessas revistas. Corpo totalmente arqueado pra trás, esticado ao extremo, fazendo uso de toda a sua envergadura, pronto para se contrair no sentido contrário e disparar o tijolo que nos enchia de orgulho. Tinha também o Badalhoca, um jogador de estilo cativante. Isso pra não falar nos caras que se tornariam protagonistas da nossa ascensão. Willian, Montanaro, Renam. 

Virado do avesso pelas nossa meninas de ouro, lembrei dos amigos que dividiram comigo aqueles momentos. O Pipa, levantador fino, de cintura nem tanto, mas de uma precisão incrível. Maurício Magoo e seu cabelo de bicho-grilo batendo as bolas lá no alto. Os improváveis homens de meio de rede que moldavam nossas formações inusitadas e até inapropriadas, mas que nos deram tantas alegrias.

 Senti até uma ponta de orgulho de ter mantido em mim o esporte assim tão intocado. De ter mantido comigo a lembrança da curtição de virar uma bola da linha dos três, ou de cravar uma de meio. Justo eu que faz tempo me divirto tão pouco com o esporte, já que ele se misturou com meu ofício, resultando, às vezes, numa liga estranha.

No domingo, liguei a TV para cumprir a derradeira parte do ritual. Estava confiante. E quem não ficou confiante ao ver o Brasil fazer dois a zero na Rússia e partir para o terceiro set sem dar pista de que iria perder o pique? Aí a possibilidade de ver o que mais me envaidecia acontecer foi se dissolvendo, dissolvendo, até que o adversário soviético, agora chamado de russo, se revelou um gigante. De certa forma, eles estavam de volta para nos assombrar. A diferença era que agora nós eramos o time a ser batido. Pela primeira vez na história uma seleção masculina fazia a terceira final olímpica seguida, e era a nossa.

 Tudo bem, deixamos escapar os match-points, tivemos o jogo na mão. Que  importa? Graças ao nosso voleibol sigo até agora imerso nessas lembranças nobres e baratas, mas que me são tão caras. Jamais imaginei que um dia veria o vôlei brasileiro virar o que virou. Jamais imaginei que um dia uma partida de vôlei iria me causar tamanha nostalgia. Não foi da noite pro dia, mas por um momento pareceu. E se um dia a nossa nação se envaideceu por saber que tínhamos o melhor futebol do mundo, hoje, ela também já pode se  envaidecer por ter tido o melhor voleibol do mundo. Ainda que não tenha sido no último domingo.  

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