quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Forever vira-lata



Nelson Rodrigues que me desculpe mas tenho comigo sérias dúvidas sobre a extinção do nosso complexo de vira-lata. E já que estamos neste agosto em que ele completaria cem anos, que essa suave discordância seja tida como homenagem. E como não quero envolvê-los nisso, chamo a responsabilidade pra mim.

Ao ver o espetáculo de abertura dos jogos de Londres me foi quase instintivo pensar: o que faremos depois de tudo aquilo? Como será possível deslumbrar os olhos do mundo? Não que eu ache que nossa música mais expressiva, de Tom Jobim ou Villa-Lobos, seja menor do que as músicas dos Sirs da terra da rainha. E não quero nem pensar que em nome da "modernidade" podemos acabar sendo representados pelo Latino ou por um desses tchá-tchum aí que o Neymar insiste em ajudar a propagar. E a dança da boquinha da garrafa? Caramba, que pesadelo! Faria eu me sentir o próprio vira-lata.

Mas como ia dizendo, não é a música em si a minha diferença, a minha preocupação, é o todo, o espetáculo, a precisão, que nunca me pareceu nosso maior talento. Se lá os quinhentos mil turistas esperados viraram pouco mais de cem mil e as disputas de certas modalidades ficaram às moscas, como será por aqui? Veremos.

Olha, a coisa por lá me impressionou tanto que mesmo ao saber que a brincadeira da abertura tinha custado quase cem milhões de reais não cheguei a ficar abismado, ainda mais agora que passamos a ser lembrados de quanto pode custar um mensalão. No mais, vou me divertindo com os tais jogos de verão. Afinal, por estas bandas vira-lata também é gente.

Por exemplo, gostei muito da sinceridade da norte-americana LoLoJones que tempos atrás deixou de fazer segredo de sua virgindade e agora, em Londres, voltou a dar nova demonstração de transparência admitindo que " é mais difícil seguir virgem do que treinar para a Olimpíada", pudera.

Na minha pobre cabeça ( de vira-lata) foi preciso fazer certo esforço para compreender que as pessoas são muito diferentes umas das outras. Prova disso é o jamaicano Usain Bolt, o corredor mais rápido do mundo, que acaba de se tornar bicampeão olímpico dos cem metros. Usain, enquanto os adversários se mostravam travados momentos antes da final da prova, preferia fazer caretas para as câmeras, brincar. Mais tarde explicaria que se tratava de uma tática, pois sabia que não conseguiria chegar ao seu melhor se não estivesse relaxado, leve. Aí fiquei pensando na Lo Lo Jones, aos trinta anos, tendo de segurar a maior onda. Ao menos foi fácil entender porque ela acabou fora do pódio nos 100 metros com barreiras. Será?

Queria registrar aqui também o meu fascínio por essa que é, insistentemente, chamada de a prova mais nobre da Olimpíada. Creio que o segredo dos cem metros é a simplicidade. Dizem que o futebol se tornou o que é porque pode facilmente ser praticado em qualquer lugar. Basta uma bola. Uma bola que esse duelo de gigantes esnoba. Basta um risco aqui e outro cem metros pra lá para desafiar a nossa capacidade. Que maluquice interessante!

Ah! Só não concordei muito com os jornais que no domingo amanheceram enaltecendo a norte-americana Serena Willians por ter conquistado um "Golden Slam" - que significa vencer os quatro mais tradicionais torneios de tênis do mundo e ainda conquistar a medalha de ouro olímpica -  se nas entrelinhas faziam questão de frisar que antes dela apenas a alemã Steffi Graff, em Seul 1988, tinha alcançado o feito, mas com um detalhe, as conquistas de Graff tinham sido todas no mesmo ano e as de Serena, não. Ora, então elas continuam em lugares diferentes, ao menos na minha cabeça estão. Afinal, uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Não que o feito da americana não seja grandioso, não é isso, mas sob certa ótica é muito diferente.

E, meus amigos, não dá pra deixar de saudar, em especial, a nossa judoca Sarah Menezes e o nosso ginasta Arthur Zanetti e suas inéditas medalhas de ouro, que soam pra mim como verdadeiros remédios tarja-preta para tratar esse meu complexo de vira-lata. Meu, ou nosso? A eles e aos que ainda irão me fazer continuar acreditando na beleza e transcendência do esporte deixo aqui registrada a minha sincera admiração. E aos que ficaram pelo meio do caminho também, é lógico. Estou longe de imaginar que só vencedores saibam honrar nossa condição humana.

Tem coisa mais vira-lata do que isso?

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