quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A jogada da renúncia

O futebol é assim, tão perfeito pra nos jogar na cara aquilo que somos, que mesmo o sabendo uma eterna caixa de surpresas me espanto. Dizem que o mundo tá pra acabar e que a dinastia de Ricardo Teixeira pode ruir antes disso. É notícia alvissareira, talvez até nos dois casos seja.

Mas vamos imaginar que a coisa é pra valer, e que está pra chegar o dia em que iremos acordar e o eterno genro de João Havelange não estará mais no poder. Tais boatos não são recentes, é bom lembrar. Diria que devemos nos preparar, e muito bem, pois nesse aguardado dia ficaremos cara a cara com a nossa pobreza, ainda que felizes e um tanto satisfeitos.

Falo dessa pobreza da qual nem mesmo a nossa condição de emergente sedutor vai nos livrar, a pobreza de ter parado no tempo. A pobreza de ainda estar na era dos senhores feudais no que diz respeito ao futebol. Podemos ser para o mundo a vedete dos BRICs, mas e daí? Quem, afinal, seria o homem ideal para cuidar dessa nossa paixão a partir de então?

Vamos supor, apenas supor, que com a renúncia de Ricardo Teixeira o poder realmente mudaria de mãos, que o futebol e seus amantes ganhariam prioridade, que eles seriam tratados com respeito e que a nossa seleção iria parar de excursionar pelo mundo afora para fazer a alegria de ditadores. Quem seria tão distinta figura?Qual o presidente de clube, qual o diretor, qual o cartola que lhe parece talhado para tão honrosa missão? Está vendo algum?

Olha, não se trata de colocar em dúvida a capacidade alheia, não, se trata de deixar claro que o nosso futebol, de tão dinástico, não se renovou. Faça uma lista com o nome dos nossos presidentes de clubes e Federações e você inevitavelmente chegará à conclusão de que mesmo os novos nomes que surgiram em cena estão cercados de figuras que reinam faz tempo nesse mundo.

Por um instante, num delírio sem tamanho, naquele espaço de tempo em que a inspiração repentinamente te abandona, me peguei imaginando que a nossa ainda jovem democracia poderia contaminar o futebol. Na minha inocência de sonhador, se somos todos torcedores, passaríamos a ser todos eleitores da CBF. Não seria um voto obrigatório. Seria, portanto, uma obrigação com a qual os que não gostam de futebol não precisariam se preocupar.

A regra seria a mesma. Quatro anos de mandato, com direito a uma reeleição, e ponto. De carona nesse vento de progresso e renovação poderíamos exigir campanhas com financiamento transparente também para, quem sabe, apontar um caminho a nação. Manifestações nas ruas para marcar essa transição também cairiam bem. Talvez tirassem até dos antipáticos certa simpatia. Ruas cheias, acima de tudo, legitimariam um novo poder do futebol. Ajudariam a colocar um ponto final nesse velho poder no qual nenhum torcedor se vê refletido, só os de sempre.

Uma revolução poderosa e pacífica seria, sem dúvida, um golaço. Dar adeus a Ricardo Teixeira, se possível, terá sido importante, um avanço, mas não passará, jamais, de um primeiro ato. Isso sem esquecer que há tempos renúncia no Brasil tem sido sinônimo de artimanha para driblar os fatos. A história mostra que certa vez não foi assim.

Foi quando o presidente da República, Jânio Quadros, resolveu fazer dela uma jogada. Imaginou que se renunciasse poderia voltar fortalecido ao poder, deu errado como sabemos. Estratégia que Teixeira por razões óbvias, e por tudo que tem sido dito e tramado, não pode nem em sonho imaginar. E caso saia, que seja para sempre.

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