quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um outro nobre














Estas são palavras pretensiosas. Querem me levar a um tempo que não vivi. Querem enaltecer fatos que não testemunhei. São palavras encarregadas de descrever jogadas e lances geniais, alegrias que encontrei gravadas em velhas fitas, carinhosamente guardadas em arquivos.




Mas sei que os olhos de quem gosta de futebol não brilham à toa. Portanto, posso dizer, com tranquilidade também, que se aceitei essa missão foi por total comprometimento com o brilho que o futebol deposita nos olhos dos homens.


E apesar de tudo, dessa imaterialidade, sei que falo de um craque, com todas as letras. Não falo de um Rei. Falo de alguém que ajudou a sustentar um reinado. Falo de alguém que hoje do alto de seus cabelos brancos, do seu jeito reservado, deve sentir um cheiro intragável de mofo quando as manchetes dos jornais amanhecem questionando o peso do Ronaldo, ou invadem as bancas a exaltar a pouca idade de Neymar. O mundo do futebol condena os homens a velhos castigos.




O homem, de quem falo, que não vi em campo, tinha quinze anos e onze meses quando suportou o peso da camisa santista sobre as costas numa decisão. E não se tratava de um Santos qualquer.


Esta semana, quando abri a minha caixa de mensagens eletrônicas, lá estava um pedido, muito bem bem escrito, para que eu não deixasse passar em branco uma data: o dezessete de maio que marcará os cinquenta anos da conquista de seu primeiro título como profissional do time da Vila Belmiro. O Rio-São Paulo de 1959. Um dia já distante, que guarda em silêncio uma respeitável vitória sobre o Vasco da Gama com dois gols dele.




De um outro homem, o jornalista Michel Laurence, cujos olhos também brilharam ao me falar dos feitos desse escolhido, ouvi que Pelé foi um atleta acostumado a fazer os outros jogarem. Sim, ao lado dele eram praticamente obrigados a isso. Coutinho foi o único que fez isso ao inverso. Ao lado dele o eterno camisa 10 teve que se dobrar à vontade de Coutinho, que o fez jogar.




Por pura reverência, ao falar desse outro nobre, deixarei de lado os títulos. Deixarei de lado o respeitável número que o transformou no terceiro maior artilheiro do Santos FC, porque ele é de um tempo onde o importante era ganhar e não fazer gol, e porque talvez assim eu seja mais fiel ao seu estilo.




Das poucas horas que pude dividir com ele, sempre com a intenção de registrar uma entrevista, ficou a sensação de que estava diante de um homem que sabia muito bem onde deixar o brilho dos próprios olhos. Ficou ainda uma sensação de estar com alguém mais interessado em falar verdades, do que ouvir elogios. Coisa tão comum aos nobres.




Certa vez afirmou que jamais teve problemas com um marcador difícil, pois conseguiu se livrar de todos. Uma resposta que só não soa vaidosa na boca desse personagem que soube como poucos misturar rapidez e eficiência. Ao ser questionado sobre a data que se aproxima Coutinho mostrou o jeitão de sempre. E com sua voz um tanto rouca sentenciou: "Sinceramente, não sei. Faz cinquenta anos. Não lembro."




O tempo é assim, implacável, e o modo que se escreve a história, às vezes, também. Meio século depois, se ainda houvesse um Rei, ele talvez estivesse solitário sobre os gramados. A menos que esse senhor, de olhar duro, voltasse com seu futebol singular a encher os olhos da torcida de brilho.

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