sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O futuro vem aí

Estes dias que nos aproximam da fronteira dos anos são sempre introspectivos. Fosse para filosofar, diria que pode ser um efeito colateral, causado pelo encerramento das competições esportivas. Sem o suspense do mata-mata, sem a imponente seleção do Bernardinho em quadra, sem ginastas nos impressionando com suas piruetas, sem o escrete de Dunga a nos pregar sustos, dispensamos atenção maior aos nossos próprios desafios. E quem dirá que não é a hora certa de cuidar das próprias táticas, e bolar a estratégia mais adequada para desfrutar dos novos dias?

Há uma frase de Shakespeare que eu gosto muito - corro até o risco de já tê-la citado aqui - que diz o seguinte: "Nós sabemos o que somos, mas não sabemos o que podemos vir a ser". As manchetes esportivas que acompanhei nos últimos dias deixaram essa frase ainda mais sugestiva. Que o digam Ronaldinho Gaúcho, o calunga Robinho e Júlio Baptista.

Depois de ser eleito duas vezes melhor jogador do planeta, Ronaldinho agora é visto com desconfiança pela imprensa e pelos torcedores. Vá lá, a fase não é das melhores. Mas ele com certeza não esqueceu como é que se joga bola, e dizer que sua saída irá ajudar o Barcelona reagir, parece coisa de quem passou da medida nas comemorações do Natal.
Por outro lado, o futuro, esse senhor sempre enigmático, tem transformado destinos, o que não é novidade, eu sei.

Eis que Robinho, depois de encarar um mundo de olhares desconfiados, agora desfila com a camisa número 10 do Real Madrid na condição de comandante do time merengue. Júlio Baptista, que ajudou a esquentar a chapa de Ronaldinho, depois de marcar o gol da vitória do Real sobre o Barça, em pleno Camp Nou, é outro bom exemplo do enredo caprichoso que o futuro guarda. E esse tempo que anda a frente do presente ninguém alcança, nem mesmo tendo o fôlego privilegiado de um Júlio Baptista.

E por falar em condição física, pelo que anda sendo dito, não será ela que impedirá o atacante Ronaldo de defender o Flamengo. O namoro é antigo. Todo mundo sabe que os dirigentes do rubro-negro adoram uma transação milionária, como todo mundo sabe também que o "fenômeno" se desmancha pelo time da Gávea. A transação, se concretizada, seria sem dúvida notícia com lugar de destaque nos dias vindouros, como diriam os mais clássicos.

Peço licença, nessa derradeira crônica de 2007, para não comentar os casos em que o futuro foi de todo sombrio. Exemplos não faltam. Campeões marcados pelo doping, cartolas acusados de crimes, e por aí vai. Acredito, por uma questão de princípios, que em momentos reflexivos é preciso conservar a boa vibração. Ainda que seja impossível desvendar o futuro, ele será o resultado da nossa atitude.

Viva 2008!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Os novos comandantes

De todas as perguntas que ouvi nos últimos dias, a que sugeria resposta mais rica em detalhes era a que pedia para comparar a chegada de Mano Menezes, Luxemburgo e Leão aos seus novos clubes. No caso dos dois últimos, nem tão novos assim. Qual teria sido a melhor escolha?

A história fez de Mano Menezes um personagem sob medida para as necessidades do time do Parque São Jorge. Apesar da envergadura profissional Luxemburgo e Leão não escaparam, durante as apresentações, de perguntas sobre o relacionamento com algumas estrelas como Edmundo e Fábio Costa. Por hora, o gaúcho que acaba de chegar do Grêmio não precisa se preocupar com isso. À frente de um time ofuscado, Mano Menezes brilha sozinho.

Com relação a Vanderlei Luxemburgo e Emerson Leão, as contratações se revelaram uma boa oportunidade para alimentar, de maneira saudável, a rivalidade que ronda os dois treinadores, e que a mídia não cansa de abastecer.

De volta ao comando do time da Vila, Leão terá uma ótima chance de se impor pelos resultados. Luxemburgo deixou o Santos ostentando dois títulos estaduais e um vice-campeonato brasileiro, um desempenho que está longe de ser insuperável e, inevitavelmente, será usado para medir o sucesso do ex-goleiro, campeão brasileiro com o time santista em 2002, e responsável pelo amadurecimento profissional de dois dos principais jogadores revelados pelo Santos nos últimos anos, Diego e Robinho.

Luxemburgo, por sua vez, mostrou muita lucidez na chegada à Academia, ao afirmar, sobre o fato de querer ser mais do que treinador, que conhece "algumas coisas que são importantes para a empresa", e que "as pessoas não acham bom isso".

Realmente, tenho visto esse sentimento em muitos torcedores. Há no ar um certo receio de que ele domine tudo, o que não deixa de ser um reconhecimento de eficácia. As palavras do lateral sugerem que ele não só entende do riscado (quem seria capaz de duvidar?) como também parece estar ciente desse sentimento que o torcedor tem cultivado.

Ainda que Santos e Palmeiras tenham optado pela repetição, e não por um caminho novo, a troca mostrou que o faro de Luxemburgo para os negócios segue apurado. O treinador desembarcou na Academia em um momento crucial. O Palmeiras acaba de anunciar a transformação do Palestra Itália em uma Arena multiuso, além da milionária parceria com a Traffic, de J.Hawilla. Luxemburgo foi a cereja no bolo dos investidores, e terá, é óbvio, o direito de se servir dele. Quanto às comparações, creio, não cabem. Cada um tem sua história e seus desafios.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Elas mereciam mais

Outro dia, lendo um livro sobre a França do final do século dezenove me surpreendi com os relatos sobre as condições das mulheres em algumas regiões. Afinal, não se trata de uma época tão distante. Em alguns casos elas faziam as refeições de pé, não podiam sentar à mesa.Entre camponeses, por exemplo, não era raro contarem apenas os filhos do sexo masculino como sua prole. Faço essas citações para deixar evidente que o avanço feminino é um bom parâmetro para medir nossa evolução e, ao mesmo tempo, uma ótima medida para deixar claro o quanto nossos cartolas são retrógrados.

No final do ano passado a atacante Marta recebeu da FIFA o troféu de melhor do mundo. Naquele momento nossa seleção feminina já havia conquistado a medalha de prata na Olimpíada de Atenas, em 2004, fazendo uma partida em que a disposição demonstrada dentro de campo deveria servir de exemplo ao time masculino. Não falo da equipe olímpica, que não teve competência para se classificar mesmo contando com Diego e Robinho. Falo em exemplo para a seleção principal, tantas vezes acusada de fazer corpo mole.

Nessa impiedosa trajetória marcada por uma determinação incrível, e pelas minguadas cifras do bolsa-atleta, nada tem sido capaz de frear as meninas. A única retribuição à altura parece ter sido a conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, diante de um Maracanã lotado. Um dia em que, pelo menos a torcida, se encarregou de tratá-las da maneira merecida. Meses depois, lá estavam elas na Copa do Mundo, disputada na China. A derrota para a Alemanha na final, de certa forma, fez o futebol obedecer à lógica, afinal, as campeãs do mundo tinham aprimorado suas jogadas em um mega campeonato nacional, e eram parte de uma estrutura milionária.

O vice-campeonato mundial, no entanto, bastou para gerar nova dose de reconhecimento e promessas. Dinheiro... um campeonato nacional. Mas como acreditar? Se nem mesmo a premiação pelo ouro pan-americano tinha sido paga? Sem o menor constrangimento a CBF alegou que faria um único pagamento pelas duas conquistas. A do Pan e a da Copa. As meninas rasgaram até uma carta com reivindicações, já escrita. E o que era para alegrar indignou. O prêmio de dezessete mil reais ficou muito distante dos 290 mil dados a cada jogador vencedor da Copa do Mundo de 2002. E o torneio nacional, chamado de Copa do Brasil, também esteve longe do ideal. Em menos de um mês e meio, trinta e duas equipes se enfrentaram. O mata-mata, que não respeitou certos critérios, colocou frente a frente, já nas primeiras rodadas, alguns dos clubes mais fortes do país, comprometendo a qualidade técnica.

A Copa terminou no último sábado. A final foi disputada no estádio Mané Garrincha, em Brasília, com as arquibancadas vazias. O Campeão foi o Mato Grosso do Sul, defendido pelo tradicional SAAD, de São Caetano, no ABC paulista.Ouço muita gente por aí dizer que o brasileiro não se interessa por futebol feminino. Será? Esta semana, alguns clubes que disputaram o torneio, endividados, acusaram a CBF de não pagar o prometido. Nenhuma novidade. Ao negar às nossas atletas um tratamento digno, o futebol brasileiro, repleto de conquistas, ainda conserva uma mentalidade muito parecida com aquela do século dezenove. E, apesar de tudo, as mulheres, neste momento, me parecem mais perto da sonhada medalha de ouro olímpica do que os comandados de Dunga. 2008 promete! Mas não ouse falar em promessa perto delas.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Cara-de-pau

Entre outras tantas, duas declarações registradas nesta semana que está chegando ao fim merecem destaque.

Uma saiu da boca do Kia, o tal da MSI, que perguntado sobre o que
achou do rebaixamento corintiano, disse: "Meu coração se partiu".

A outra foi do Renan, o tal do Senado: "Eu saio de cabeça erguida".

O incrível é que se a gente colocasse uma na boca do outro, ainda assim elas fariam sentido, e ainda assim o título continuaria sendo pra lá de apropriado.

O futebol e os números

Ao escolher o tema dessa coluna foi inevitável lembrar da minha inesquecível professora de matemática. Que outro adjetivo poderia cair tão bem para alguém que, depois de uma penosa e esforçada recuperação, te reprovou por meio ponto? E numa época em que isso significava ter que passar um ano inteiro revendo todas as matérias. Um castigo muito além dos números. Talvez isso ajude a explicar o fato de eu ser tão reticente a respeito deles na hora de interpretar o esporte.

Seja como for, foram os números os inspiradores dessa crônica que vos chega. Na última segunda-feira, quando recebi de José Renato Sátiro Santiago Júnior, os números atualizados da história do Campeonato Brasileiro, não resisti. Olhei, olhei. Vocês estão cansados de saber que a história não muda assim...de uma hora pra outra. O que justifica as pequenas alterações de posições.

A campanha do São Paulo, em 2007, o transformou na equipe com maior porcentagem de vitórias (45,55%), e desbancou o Palmeiras. Em pontos acumulados, a desastrada campanha corintiana deixou escapar o terceiro lugar, que agora é do Santos, com 1282.
O time da Vila, em compensação, perdeu o posto de terceiro colocado para o Cruzeiro em números de gols pró. Para reforçar a euforia tricolor, o São Paulo passou a ser, também, o time com a menor porcentagem de derrota. Proeza que até o ano passado pertencia ao modesto Santo André. Para provar que a matemática segue sendo cruel, e que poucas são as coisas que resistem aos números, vejo aqui que o Flamengo, cuja torcida esta semana virou até patrimônio cultural, é o dono do maior número de derrotas acumuladas, 293.

Mas quero deixar claro que, muito maior, é minha precaução com outros tipos de números. Os que me chegam desse modo, das mãos de um pesquisador, com precisão indiscutível, salvo engano, ainda que não tragam um sentido direto, não podem ser tão traiçoeiros. Já aqueles que encontramos cotidianamente nas manchetes, nas chamadas, a respeito desses é que guardo enorme desconfiança. Fico imaginando o que não há por trás das grandes negociações. A quem interessa aumentar? A quem interessa diminuir? Não me soa improvável a cena de certos senhores, em ambientes nobres, com seus charutos, a brindar números muito diferentes dos que desfilam nas páginas dos jornais. Todos alegres, e mais ricos, rindo das cifras que os diários estamparam. A realidade por trás de tudo isso tem outros números, é o que a intuição faz crer.

Não, aqui não existe nada de “dois mais dois”. É só olhar bem e perceber como nesse universo os números dançam. Não há consenso. Setecentos mil reais para Vanderlei Luxemburgo. Como acreditar que a contabilidade de um clube suporte? A intrigante pergunta sugere uma resposta que pertence, apenas, aos que verdadeiramente sabem o que é possível lucrar com um grande time. Trezentos e sessenta mil reais para Mano Menezes comandar o Corinthians. Multa de 160 milhões de reais para levar o menino Alexandre Pato, já comprado pelo Milan e, de tão novo, impedido de jogar pela lei italiana. Segredos de uma matemática própria, guardada a sete chaves.

Agora chega! Que hoje é sexta, e eu já passei da conta.