Outro dia, lendo um livro sobre a França do final do século dezenove me surpreendi com os relatos sobre as condições das mulheres em algumas regiões. Afinal, não se trata de uma época tão distante. Em alguns casos elas faziam as refeições de pé, não podiam sentar à mesa.Entre camponeses, por exemplo, não era raro contarem apenas os filhos do sexo masculino como sua prole. Faço essas citações para deixar evidente que o avanço feminino é um bom parâmetro para medir nossa evolução e, ao mesmo tempo, uma ótima medida para deixar claro o quanto nossos cartolas são retrógrados.
No final do ano passado a atacante Marta recebeu da FIFA o troféu de melhor do mundo. Naquele momento nossa seleção feminina já havia conquistado a medalha de prata na Olimpíada de Atenas, em 2004, fazendo uma partida em que a disposição demonstrada dentro de campo deveria servir de exemplo ao time masculino. Não falo da equipe olímpica, que não teve competência para se classificar mesmo contando com Diego e Robinho. Falo em exemplo para a seleção principal, tantas vezes acusada de fazer corpo mole.
Nessa impiedosa trajetória marcada por uma determinação incrível, e pelas minguadas cifras do bolsa-atleta, nada tem sido capaz de frear as meninas. A única retribuição à altura parece ter sido a conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, diante de um Maracanã lotado. Um dia em que, pelo menos a torcida, se encarregou de tratá-las da maneira merecida. Meses depois, lá estavam elas na Copa do Mundo, disputada na China. A derrota para a Alemanha na final, de certa forma, fez o futebol obedecer à lógica, afinal, as campeãs do mundo tinham aprimorado suas jogadas em um mega campeonato nacional, e eram parte de uma estrutura milionária.
O vice-campeonato mundial, no entanto, bastou para gerar nova dose de reconhecimento e promessas. Dinheiro... um campeonato nacional. Mas como acreditar? Se nem mesmo a premiação pelo ouro pan-americano tinha sido paga? Sem o menor constrangimento a CBF alegou que faria um único pagamento pelas duas conquistas. A do Pan e a da Copa. As meninas rasgaram até uma carta com reivindicações, já escrita. E o que era para alegrar indignou. O prêmio de dezessete mil reais ficou muito distante dos 290 mil dados a cada jogador vencedor da Copa do Mundo de 2002. E o torneio nacional, chamado de Copa do Brasil, também esteve longe do ideal. Em menos de um mês e meio, trinta e duas equipes se enfrentaram. O mata-mata, que não respeitou certos critérios, colocou frente a frente, já nas primeiras rodadas, alguns dos clubes mais fortes do país, comprometendo a qualidade técnica.
A Copa terminou no último sábado. A final foi disputada no estádio Mané Garrincha, em Brasília, com as arquibancadas vazias. O Campeão foi o Mato Grosso do Sul, defendido pelo tradicional SAAD, de São Caetano, no ABC paulista.Ouço muita gente por aí dizer que o brasileiro não se interessa por futebol feminino. Será? Esta semana, alguns clubes que disputaram o torneio, endividados, acusaram a CBF de não pagar o prometido. Nenhuma novidade. Ao negar às nossas atletas um tratamento digno, o futebol brasileiro, repleto de conquistas, ainda conserva uma mentalidade muito parecida com aquela do século dezenove. E, apesar de tudo, as mulheres, neste momento, me parecem mais perto da sonhada medalha de ouro olímpica do que os comandados de Dunga. 2008 promete! Mas não ouse falar em promessa perto delas.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
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