quinta-feira, 26 de junho de 2025

A fantasia no futebol

Alexsandro Ribeiro


Nem um outro esporte consegue ofertar o nível de fantasia do futebol. Sei que se trata de uma afirmação que pode soar pretensiosa. E de que é também algo impossível de ser apurado com precisão. Mas não nego, claro, essa virtude a outras modalidades. Talvez seja o caso apenas de admitir a intensidade com que ela se dá, essa contundência singular que ela ganha quando se trata do jogo de bola. O que num primeiro momento poderia vir a ser explicado pelas cifras cada vez maiores que movimenta, pela representatividade que tem em nossa cultura e mais um sem fim de outros detalhes. Mas sou levado a crer que nada alimenta mais esse viés de fantasia do que as histórias de superação que desde sempre o futebol desenhou. 

E a capacidade de fazer o brasileiro fantasiar é tamanha que todo mundo por aí deve conhecer um pai que, mesmo sendo o sujeito mais ponderado do mundo, diante dos primeiros dribles do filho passou a desconfiar de que poderia, quem sabe, ter em casa um novo Pelé. Não deixo de reconhecer também e, principalmente, que neste nosso país em que a miséria assombra tantos brilhar no mundo da bola acaba sendo a única coisa capaz de alimentar o sonho de conquistar uma vida, mais do que digna, abastada. E foi pensando em um amigo que anda empolgado com os primeiros lances uniformizados do filho e em duas histórias sobre as quais li nos últimos dias que me veio esse questionamento sobre a capacidade que o futebol tem de fazer as pessoas acreditarem no improvável. 

A primeira dessas histórias foi a do zagueiro Alexsandro Ribeiro, de vinte e cinco anos, o nome menos conhecido entre os convocados para defender a Seleção na primeira lista anunciada pelo técnico Carlo Ancelotti. Mais velho de cinco irmãos. Companheiro de Vini Jr no Flamengo nos tempos de moleque. Alexsandro foi criado numa comunidade em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde  a mãe para sustentar os cinco filhos trabalhava perto de um lixão. Sem espaço, deixou o Flamengo. Fez teste em mais de dez clubes. Entre eles Vasco e Botafogo. No Fluminense durou dois meses. Acabou dispensado. Até que um ex-treinador que o comandou num time sub-20 teve a chance de ir para o Portugal e acabou o levando também.  Era, sem que ele soubesse, o início da redenção de alguém que trabalhou em obra, na feira, cortando grama e que viveu como catador de latinhas.  


Mas o que me chamou a atenção foi Alexsandro em uma de suas entrevistas ter dito que o que o atrapalhou na fase de maturação do flamengo foi, e aí palavra minha, fantasiar. Eu fiquei vivendo um sonho, disse ele. Dias depois dei da cara com a matéria que falava de um outro personagem, uma outra história do tipo. A de Denílson Nascimento, atacante baiano, apresentado na matéria como o "Ronaldo das Arábias". Um baiano que perdeu a mãe aos seis anos, viu o pai sair de casa pouco depois. O que o separou das duas irmãs que foram morar com famílias diferentes. Viveu em orfanatos. Vendeu picolé, verduras, fez de tudo um pouco, até desaguar no futebol tardiamente. Sem ter passado por times de base e com séria deficiência técnica, que trataria de corrigir ao longo do tempo. Em duas décadas e meia de carreira desvendou mercados, foi parar no PSG e virou até o maior goleador da história do Mundial de Clubes até ser desbancado pelo uruguaio, Luís Suarez, em 2015. É provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Normal. Denílson mesmo tratou de dizer que entrou no futebol como saiu. Sem ninguém ver. Só não acredito que tudo isso fosse possível se o futebol não tivesse essa imensa vocação para provocar fantasias. 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Que feriadão é esse?

Imagem: Quadro de Djanira/1975


Este poderia ser um feriadão como outro qualquer. Mas definitivamente não é. Que o digam os palmeirenses e botafoguenses que verão seus times escreverem neste dia fértil para curtições o segundo capítulo deles no Mundial de Clubes. Sobre o time de Abel Ferreira, vos digo que me surpreendeu na estreia pela atitude. E não descarto a teoria de um amigo que a justificou como um modo de fazer um pouco menos desafiador o que o cruzamento da próxima fase poderia lhe guardar. Aos que não são dados às minucias do torneio eu explico. Sendo primeiro de seu grupo teria pela frente, nas oitavas, o segundo colocado do grupo B. Mas sendo o segundo lhe caberia ficar frente a frente com o primeiro. E posso dizer que enquanto escrevo estas linhas o mundo aponta o PSG como mais do que favorito ao posto. 

De certo mesmo é que o debute alviverde sem gols faz da vitória no jogo de hoje contra o Al Ahly, do Egito, uma exigência. Já o Botafogo não terá como escapar de tão temido encontro. Está no grupo do atual campeão europeu e ficará frente a frente com ele quando a noite desse feriadão já estiver caminhando para a fronteira que o separa de uma dessas sextas que os brasileiros tão bem sabem transformar numa espécie de semiferiado. E a essa altura o torcedor do time carioca já saberá o que se deu no encontro entre o Seatle e o Atlético de Madrid. E se o futebol não nos pregar uma peça  transformará o encontro com o time de Simeone em um tudo ou nada para o time da estrela solitária. 

É fato que se fará um encontro infinitamente menos assustador do que com o afinado time francês. Nem por isso um encontro comum, muito menos simples. Por essas e outras não há brasileiro que possa chegar às oitavas com mais jeitão de sobrevivente do que o Botafogo. E seja lá qual for o desenlace que a mais nova invenção da FIFA terá as primeiras impressões me convenceram de que o torcedor brasileiro comprou a ideia. Ao contrário de alguns europeus, que trataram de deixar bem claro que por lá o Mundial não desfruta do prestígio que vai desenhando por aqui. Aos que apontam o abismo que transforma partidas como as que vimos entre Bayern de Munique e Auckland City, da Nova Zelândia, numa coisa meio sem sentido até lembro que não será muito diferente na próxima Copa do mundo que, pela primeira vez na história, terá infinitas quarenta e oito seleções. 

Para além de qualquer outra consideração, e como disse o técnico do Borussia, Nico Kovac, é preciso valorizar a oportunidade de se medir com os melhores dos outros continentes. Se a oportunidade vem a ser de alguma valia pra eles pode-se até discutir. Já pra nós, sul-americanos, creio, não resta dúvida. E enquanto o creme de la creme do futebol mundial desfila em gramados norte-americanos gerando um sem fim de manchetes uma que não tem nada a ver com ele me chamou a atenção e soou como o anúncio de uma grande vitória. Ela dava conta da condenação de quatro envolvidos no caso do boneco de Vini Jr pendurado em uma ponte de Madrid, simulando um enforcamento, pouco antes de um jogo da Copa do Rei em 2023. Um dos casos mais grotescos que já vi em décadas de jornalismo esportivo.  Os quatro, torcedores do Atlético de Madrid, foram condenados por crime de ódio e ameaças. As penas somadas chegaram a 22 meses de prisão. É bom saber que em algum lugar casos do tipo são levados até o fim. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Dá um tempo?



Digo a vocês que vejo no tempo uma grande lente. Só ele nos aclara as coisas. Tô chegando filosófico, eu sei. Mas não tarda e a prosa vai desaguar em algo mais terreno. Insista na leitura e verá. É que o cotidiano quase sempre nos dá a impressão de não estarmos saindo do lugar. Mas sempre estamos. O aprendizado de um instrumento é das tarefas que, pra mim,  mais corroboram essa sensação. Você morde a língua aqui, estica o dedo pra fazer soar uma nota ali e quase se convence que não nasceu pra isso. Mas Insiste na coisa. Repete, repete, e um dia lá na frente percebe que evoluiu, que aprendeu algo, ainda que não tenha virado nenhum Stravinski.  

Vejam, acabamos de testemunhar o debute de Carlo Ancelotti no comando da Seleção. Que de cara o italiano conseguiu acabar com a modorra da Data FIFA é fato. Mas  não se trata de verdade absoluta. O próprio lugar que Ancelotti terá na história do nosso futebol só o tempo verdadeiramente revelará. O mesmo tempo que poderá nos mostrar que essa primeira impressão foi só um efeito colateral de algo tão novo, se as datas FIFA seguirão nos assombrando. Mesmo com Ancelotti na área entendo completamente aqueles que perderam a paciência com a Seleção. O que me faz pensar o quanto o escrete nacional terá de jogar para reconquistá-los. A lente do tempo irá nos mostrar. 

Mas resta nesta quinta um pouco do nosso cotidiano boleiro. Uma rodada do Brasileirão já sem os que têm compromisso marcado com o Mundial de clubes. No Castelão, o Fortaleza recebe O Santos. Jogo em que uma vitória, dependendo de outros resultados, poderá trazer com ela o simbolismo de sair da zona de rebaixamento. Digo simbolismo porque se trata de uma condição à qual o futebol dos dois dá um certo ar efêmero. Difícil acreditar neste momento que não seguirão às voltas com ela. Se a fase do time cearense é a pior da era Vojvoda, não pense o Santos que está muito longe disso. E que tenha humildade de reconhecer que o tempo fez o adversário de hoje atualmente mais bem sucedido do que ele. O que me faz  acreditar que a tal lente do tempo pode também diminuir um clube dito grande. 

E por falar em tempo, que chance terá na noite de hoje o Cruzeiro, no Barradão, diante do Vitória. O time celeste dirigido por Leonardo Jardim, que derrotou o Flamengo, que derrotou o Palmeiras, com um triunfo será catapultado à liderança do Brasileirão. Conquista muitas vezes passageira mas que o recesso imposto pelo Mundial de clubes fará durar sem ameaças por um mês.  O que não deixaria de soar como um prêmio por toda a graça que emprestou ao Brasileirão nas últimas semanas. E se o Cruzeiro chegar lá terá vencido também uma certa secação porque o Bragantino, dono da mesma pontuação, se vencer o jogo com o Bahia em casa e a raposa tropeçar na capital baiana é quem vai desfrutar dessa liderança temporalmente longa. 

No Morumbi, o São Paulo, recordista de empates no torneio e que vem de derrota, enfrenta o Vasco. Não bastasse a proximidade dos dois com a zona do descenso, um resultado adverso terá tanta contundência e longevidade quanto a liderança de que estávamos falando. Estranha alquimia essa em que um Mundial cravado no calendário ganha o poder de tornar um resultado um tanto mais eterno. No mesmo horário o Atlético Mineiro irá receber o Internacional. E a essa altura já estará quase desenhado o enredo da visita do Corinthians ao Grêmio. Corinthians pra quem neste momento o tempo parece ter escancarado todas as mazelas.    

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Qual é a desse Mundial?

Foto: Reprodução/FIFA


O momento me permite dizer que se você acha que já viu tudo em matéria de futebol está enganado. Vem aí o Mundial de Clubes da FIFA, que será disputado nos Estados Unidos a partir do próximo dia quinze. Dar de cara com uma competição recém criada não é exatamente novidade. Mas a envergadura do que está pra começar provoca reflexões. A primeira delas: como não estar alinhado com o calendário europeu nos cria uma espécie de realidade paralela. Enquanto os poderosos esquadrões europeus  deram conta de seus torneios, entre nós a recém-criada competição estancará tudo num momento em que os clubes começam verdadeiramente a se colocar na temporada. E não se trata de algo breve. O Mundial irá durar um mês. 

Para além da curiosidade inevitável de saber como é que os brasileiros convidados para a festa irão se sair no meio dos supostamente melhores times do planeta paira no ar também certa curiosidade sobre quais serão os efeitos colaterais que serão vistos quando eles voltarem para dar conta do que deixaram por terminar. E não só eles, mas os que aqui ficaram em compasso de espera. Claro que essa realidade nova impõe um desafio de planejamento, um desafio físico. Fico me perguntando se os brasileiros que lá estarão prepararam tudo para chegar no auge de suas capacidades, ou se apenas encaixaram o novo compromisso no meio de tudo acreditando que, seja qual for o tamanho da glória embutida nisso, é aqui que eles terão de seguir a vida depois. 

Tudo tão importante que a FIFA tratou, inclusive, de criar uma janela de transferência excepcional, aberta no último domingo e que permanecerá assim até a próxima terça. Iniciativa nova que é fez a entidade máxima do futebol  ter lidar ainda com aspectos do dito futebol moderno e proibir que clubes controlados pelos mesmos proprietários - ou empresas - viessem a se enfrentar. Era o caso de dois times mexicanos, o León e o Pachuca. O primeiro acabou excluído. E o segundo estará no Mundial. A vaga em aberto foi decidida no último sábado pelo Los Angeles, dos Estados Unidos, e o América, do México. Ficou com os americanos em grande estilo, graças a uma virada na prorrogação. E, detalhe, a vaga é do grupo em que está o Flamengo. 

Também tenho curiosidade pra saber o lugar que esse tal Mundial irá ocupar no imaginário dos brasileiros que gostam e acompanham futebol. Aos que por ventura venham a se apaixonar ou torcer o nariz pra ele aproveito pra lembrar que depois dessa edição o torneio passará a ser disputado a cada quatro anos. Como virtude,  tendo em vista a legitimidade daqueles que irão nos representar, o Mundial talvez possa nos oferecer uma oportunidade mais profunda de descobrir o que pode o futebol brasileiro em termos planetários, seu verdadeiro nível de competitividade, que vira e mexe até as nossas copas continentais fazem virar uma grande dúvida. 

De certo mesmo, por hora, só o sucesso comercial dessa empreitada que a FIFA se esmerou para colocar em curso. E sabe-se lá tendo de remover quantas montanhas de interesses. Uma revisão orçamentária feita no meio do mês passado apontou que o Mundial irá gerar uma receita de dois bilhões de dólares. Quantia considerável, se lembrarmos que no ciclo que separou as últimas duas Copas do Mundo o faturamento foi de aproximadamente sete bilhões e meio de dólares. Tanto poderia ser dito a respeito. Mas acho que a questão é: cifras à parte, o novo Mundial irá enriquecer o futebol mundial?