quinta-feira, 29 de maio de 2025

Era uma vez a minha Seleção



Começamos esta semana vendo a Seleção Brasileira inaugurar uma nova era. Talvez mais correto seja dizer o futebol brasileiro entrar em uma nova era. E, confesso, essas minhas palavras iniciais me fizeram lembrar que outrora o escrete nacional, de algum modo, representava mesmo nosso futebol . O tempo parece ter afastado os dois. É só uma impressão. Mas não é que Don Carlo topou assumir a bronca? Nada me tira da cabeça que só topou porque, no fundo, se trata de uma aposta breve. Tirando os compromissos iniciais contra Equador e Paraguai restarão míseras três rodadas das Eliminatórias e depois disso será cuidar da logística pré-Copa que poderá muito bem ser desenhada de forma que o novo técnico da Seleção não precise estar exatamente no Brasil. Se a negociação envolvesse todo um ciclo talvez a disposição fosse outra. O que acho compreensível. 

Mas, seja como for, pode contar com a minha torcida, mas que não conte com a de todos. Digo isso porque pressinto por trás de declarações polidas como a dada por Carlos Alberto Parreira, uma pontinha de secação. Não sei se é essa exatamente a palavra. Disse o ex-treinador e campeão do mundo dias antes: preferia um treinador brasileiro, mas Ancelotti é bem-vindo. E em seguida afirmou que o treinador  tem que vivenciar o país. E esse é um detalhe que, confesso, tenho curiosidade para ver como será tratado pelo italiano. Mas não deixo de considerar que até nisso poderá nos surpreender. Ter dito que quer aprender português pode ser uma pista nesse sentido. 

Fato é que Ancelotti poderá mudar radicalmente nossa maneira de encarar aquela velha questão sobre técnico ganhar ou não ganhar jogo. Enfim, faço firulas aqui para dizer que a chegada de Ancelotti soa a mim como um divisor de águas, como algo que condena a versão mais terna da Seleção Brasileira que trago comigo a parecer ainda mais distante. Tinha onze anos em 1978. Me divertia inocentemente com o cabelão solar de Marinho Chagas, que acabou fora do mundial mas não das minhas lembranças de moleque.  Quatro anos mais tarde pintaria na área a Copa que acabaria cravada no imaginário da minha geração como uma tatuagem. E se falo da minha geração é porque hoje considero que aquele futebol era feito sob media pra nós. Dos mais velhos exigiria inocência demais. E para os mais novos, creio, era de uma profundidade que comprometia a compreensão.  

Enfim, estes dias de contornos tão singulares me deixam a impressão de que era uma vez a Seleção. A minha seleção. Não como um time escalado, mas como sinônimo do que o nosso futebol tinha de mais louvável. E a minha Seleção, desde sempre, teve Zico, Sócrates e Falcão. Tinha outros, mas não com tamanho ar de majestade. Uma majestade que com alguma licença poética ouso dizer que nem mesmo o título de 1994 conseguiu ter. Embora seja impossível esquecer a cena de Roberto Baggio mandando a bola pra longe.  Uma final de Copa disputada nos penaltis tinha algo de premonitório, não sei. E Carlo Ancelotti estava lá no Rose Bowl. Era auxiliar da seleção italiana, comandada por Arrigo Sacchi. E nem vou falar da esculhambação que ao longo do tempo corroeu toda a credibilidade da entidade que comanda não só a nossa seleção mas nosso futebol.  Não consigo crer que, como dizem alguns,  o que rola nos bastidores não entra em campo. O que eu sei é que ainda não conseguiu apagar a melhor lembrança que trago comigo da Seleção. Hoje , mais do que nunca, uma Seleção de outros tempos.  

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Peladas profissionais



Pra começo de conversa vos digo que não sei se foi o futebol que mudou ou se fui eu. E a única coisa que pode atenuar esse dilema é chegar à conclusão de que mudamos os dois. O que é muito provável. E aí eu poderia fazer uma média e dizer que mudei pra pior e o futebol para melhor. O que pode até ser o caso falando de mim, mas não consigo acreditar que seja evolução o que vai me colocando em desacordo com o jogo de bola. Os analistas de desempenho certamente têm todos os dados disponíveis para me convencer de que o futebol virou outra coisa. Eu sei disso. E lhes digo que o homem que se ampara nos números, e só neles, terá sempre um quê daqueles que Nelson Rodrigues definiu perfeitamente como idiotas da objetividade. 

Mas não estou aqui pra maldizer o ofício de ninguém. O que eu tô fazendo é quase uma autoanálise, querendo entender porque me parece cada vez mais difícil encontrar algum encanto no que vejo se desenrolar entre as quatro linhas. Não duvido que olhando o jogo cientificamente ele possa ter dado um salto, mas daí a dizer que isso o tornou mais bonito me soa totalmente descabido. Poderia elencar aqui um sem fim de motivos para tentar explicar esse caldo insosso que os times andam derramando sobre os gramados e mexendo com o meu humor. Com o nosso humor imagino. Pois não seria tão egoísta de levar essa pensata adiante se não acreditasse que esse descontentamento nos aproxima. E, veja, quando falo de futebol falo do nosso aqui. Porque quando vejo o jogo que se pratica por aí o papo é outro. 

Em primeiro lugar o que acho é que os nossos times, seja lá qual for o tamanho deles, andam se contentando com pouco. Com muito pouco. Os passes de lado que que se propagam como praga nem precisam de dois gols, basta um e já brotam como erva daninha. E aí, fico imaginando, impera aquela maneira de pensar que desde sempre questionou a razão de se correr quando o time está ganhando. E não estou pedindo pra ver viradas de jogo daquelas que paralisam o adversário, nem lançamentos longos primorosos, coisas que não tardarão se farão tão raras quanto os gols de falta. Existem coisas no futebol moderno que me escapam. Dias atrás, confesso, fiquei surpreso ao ouvir o técnico do Flamengo definir o papel do ex-jogador  Rodrigo Caio na comissão técnica do Flamengo. Disse ele que a designação é: analista de bola parada. Tenho o maior respeito pelo Rodrigo, que sempre foi um cara de fino trato. O que não entendo é como nesse futebol em que se cuida de cada detalhe os jogadores têm dificuldade pra acertar a bola no gol e, em campo, insistentemente, optam por ações tão pouco arrojadas, tão pouco corajosas. 

Notem como é raro nos dias de hoje ver um time construindo uma jogada de ataque pela zona central do campo. Não duvido que o meio ande congestionado, que o jogo se tornou mais físico. Mas quero acreditar que o talento ainda segue sendo capaz de nos surpreender. Pense em alguns dos times mais afinados que vimos nos últimos tempos, não são muitos, e talvez lhe venha a cabeça alguns lances bem construídos nessa zona proibida. Enfim, não estou aqui para elaborar receitas. Admiro a alma malandra do futebol, que afinal veio da rua. Mas não essa malandragem de mão no rosto fingindo ter levado um tiro de canhão. Isso não deixa de ser um desaforo pro torcedor, que acostumou a engolir essas e outras. E se continuo me dando ao jogo e ao ofício é porque ainda acredito que seja possível lapidar essas peladas profissionais que temos visto.  

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Don Carlo



Não, jamais ouvi alguém chamá-lo assim. É possível que seja algo um tanto íntimo ou que se dê só para o seleto grupo que costuma frequentar alguns dos maiores elencos europeus. Ou algo reservado aos que o cercam, aos parças, como nos habituamos a ouvir. A nós, os mortais, creio caber chamá-lo mesmo de Carlo Ancelotti. E mal sabe ele o papel que terá se realmente vier a aceitar o comando da Seleção Brasileira. Em primeiro lugar será o homem que desafiará, mesmo sem ter tal intenção, todos aqueles que que consideram uma afronta entregar o escrete brasileiro a um estrangeiro. E não são poucos. 

E, depois disso, encarnará uma ruptura da qual muita gente duvidava, ou duvida, eu inclusive. E considero a coragem ora apresentada pelo presidente da nossa Confederação para a empreitada efeito colateral de um misto de falta de opções caseiras com a necessidade de um escudo cada vez mais forte, diante do insucesso nos gramados e da condução administrativa contestável e falsamente democrática. Quero crer que ainda chegará o dia em que um patrimônio como a seleção de futebol de um país  ter dono virá a ser algo questionado nos tribunais. Não à toa trataram de tentar convencer o mundo de que o futebol e seus mandatários precisam de uma justiça própria, que não lhes cabe a dos comuns. 

Nessa toada, Don Carlo, que em matéria de futebol considera que já tenha visto de quase tudo, sem querer ainda por cima se descobrirá inserido num lugar e em uma realidade que nunca frequentou. Que não tenha dúvida a respeito. E quero crer que poderá existir algum viés louvável escondido nisso. Nem que seja sentir de longe o que representa a Seleção no nosso imaginário. Mas é preciso levar em conta também que até nesse ponto poderá vir a ser surpreendido. Digamos que esteja um dia na padaria tomando um café, tentando ser normal, e se dê a entabular uma conversa com aquele que lhe serve. Eis que no meio do papo o sujeito lhe confessa que perdeu o interesse pelo time nacional faz tempo, que hoje ele quer saber mesmo é do time para o qual torce, e olhe lá.  

Digo mais, sabemos todos que o desgosto com a seleção é tamanho que se Don Carlo pegar pela frente um sincerão é capaz de secretamente se perguntar o que tinha na cabeça quando aceitou o convite. No mais, foram tantas idas e vindas que eu aqui já nem sei qual verbo usar. Se tudo isso seria ou será. Se é caso de passado ou de futuro. Fato é que há aí em curso um segundo renascimento de Don Carlo como possível treinador brasileiro. O que já virou notícia até no The New York Times. Notícia sustentada pelo fato de que tudo já estaria alinhado com o Real Madrid com quem Don Carlo ainda tem contrato.  

Dizem que a coisa se resolve em poucos dias, pra alívio dos palmeirenses que não gostaram nenhum um pouco de ver Ednaldo com "zóio de lula" pra cima de Abel Ferreira. Questão de tempo, pouco tempo, dizem os jornais espanhóis. Então, o palmeirense talvez não tenha mais motivo pra se preocupar ainda que o tal acordo com a direção madridista seja verbal. E nessa novela desde sempre esse foi o x da questão. 

Olha, que me perdoem aqui os que, por ventura ou descuido, pensam diferente. Mas Don Carlo, não se enganem, é outra categoria. Mesmo Jorge Jesus com seu ar divino não lhe chega aos pés. Don Carlo, ao contrário de muitos treinadores, foi também um grande jogador. Como técnico é apontado entre os dez melhores de toda a história. Mas continuo com minha desconfiança crônica e só vou acreditar na hora que der de cara com o homem vestido de agasalho passando um friozinho lá na Granja Comary.