quinta-feira, 4 de maio de 2023

Nosso futebol de vanguarda



A transformação da sociedade impressiona. Costumo duvidar toda vez que vejo, e cada vez mais se vê, motoqueiros ignorando semáforos ou o sentido do trafego. Gente jogando bituca de cigarro nas ruas. Condenando vizinhos de praia a aturarem suas trilhas sonoras quando tudo o que queriam era ouvir o barulho das ondas. Gente deixando pelo caminho saquinhos com as sujeiras do cachorro, como se tivessem feito exemplarmente o papel de cidadão. Enfim, não é fácil crer que algo irá resgatar nosso mínimo de civilidade. Mas o recente episódio envolvendo o técnico Cuca não deixou dúvidas de que o mundo mudou. Expôs o quanto o jornalismo andou deixando de fazer seu papel, ou o fez de modo enviesado. Expôs o quanto os jogadores de futebol andam vivendo em universos paralelos. Não que eu me considere exatamente desse mundo que aí está, já me sentia desencaixado dos anteriores. 

Mas há coisas nas quais não consigo acreditar. Por exemplo, outro dia acabei seduzido por uma manchete que versava sobre as mudanças que o avanço tecnológico vai causar no futebol.  Em determinado momento  sugeria que nos próximos cinco anos as redes sociais podem vir a determinar quais seriam os jogadores substituídos em uma partida. Internautas, no intervalo, decidiriam quem fica e quem sai de campo.  A pensata não era de um viajante qualquer, era de Arsène Wenger, Diretor de Desenvolvimento da FIFA. Homem pra lá de vivido no mundo da bola. Durante mais de duas décadas comandou o Arsenal.  

Não encarei com descrença o que tinha lido. Segui com a leitura mas aí acabei dando de cara com algo que realmente desafiou minha compreensão. Dizia lá um certo CEO que em uma década não teríamos mais erro humano no jogo. Automaticamente fui levado a pensar que estamos realmente à beira de desumanizar totalmente a peleja. Por trás de tudo isso está o mercado obviamente.  Não é novidade nenhuma pra quem cuida desse grande negócio que a perda de audiência no futebol masculino é uma realidade e que, além disso, assombra o menor interesse pela prática do futebol. 

Estudos mostram que logo ali, em 2030, as chamadas gerações Z e Alfa, que abarca os nascidos a partir dos anos dois mil, irão representar quase metade da força de trabalho do mundo, e o grosso  do consumo. Jovens que sabidamente já não conseguem  ficar durante noventa minutos, concentrados, assistindo a uma partida de futebol. O que diante do que nos cerca é de fácil constatação. Os modos, digamos, clássicos de se entregar a um jogo de bola , ou seja, sentado em uma arquibancada ou em um sofá podem estar com os dias contados. Ou será algo cultuado por tão poucos, como ler jornal nos dias atuais. E isso tudo me fez lembrar de outra passagem. 

Estava eu na fila para pagar um café quando encontrei um amigo do trabalho. O papo foi dar no jogo de bola. Ele falou do time dele, o Corinthians, mas não demorou e sacou o celular para me mostrar na tela a bolada que tinha amealhado na última rodada fazendo apostas eletrônicas.  Confessei minha falta de intimidade com aquilo. E o que ouvi como resposta foi que com a monotonia do jogo as pessoas andam procurando outras formas de se divertir com ele. Sem precisar necessariamente gastar noventa minutos. Secretamente me pus alarmado ao constatar que  a atual falta de requinte do nosso futebol pode acelerar todo esse processo de desinteresse e nos fazer chegar ao futuro antes dos outros. Não é incrível?

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