quinta-feira, 3 de março de 2022

O futebol é guerra



A frase era ouvida aqui e ali toda vez que o jogo esquentava. Toda vez que revelava seu lado bélico. A metáfora conceitual, como vi definida certa vez num estudo e que dá título a estas linhas, pelo visto foi atingida em cheio e naufragou nas águas sujas deste tempo em que o ar do politicamente correto começou a fazer vítimas.  Atingidas sem poder se defender boa parte das vezes. Já que seus algozes não hesitam  em mirar o passado. No que está dito ou escrito não é de hoje.  Não que tenha algum apreço pela definição. Longe disso.  Aos poucos vão caindo nessa batalha também outros termos, como matador. Coisa tão frequente em outros tempos.  

Não sou um puritano mas sou capaz de ver com bons olhos que o futebol se dispa desse vocabulário, digamos, de referências discutíveis. Mas por mais que o mundo tenha mudado confesso ter certa dificuldade de imaginar que um dia um termo como artilheiro, por exemplo, venha a cair por terra. Segue aí mais vivo do que a tal metáfora conceitual, que parece não ter mais lugar no time. E mais vivo do que o hábito de chamar quem não deixa a bola ficar pingando na área de alguém que mata. Termo que se não tem os dias contados anda frequentando cada vez mais o banco de reservas. E nem vou falar dos boleiros com seus dedos em forma de arma. 

Noto agora ao invocar essas analogias que mesmo a maneira tão ancestral de se definir um chute potente nominando o tal de bomba já não se ouve mais. Mas triste de verdade  é constatar que  com toda essa preocupação , ou com esse modo up to date de tratar as coisas,  o mundo não melhorou. Segue sujo como o futebol. Rendido a interesses. Mesmo que custem vidas. Putin decidiu guerrear com a Ucrânia e, de repente, o futebol se viu atingido. Brasileiros levados ao país invadido por causa do bom e velho jogo de bola se uniram num hotel com filhos e esposas para pedir ajuda. Sem informações, sem saída. E foi impossível não ver naquilo e em tantas outras histórias que viriam a agonia o medo. 

Polônia, Suécia e República Tcheca envolvidas na fases finais das Eliminatórias Europeias  se apressaram em avisar que se recusavam a jogar na Rússia. Como não tardou e São Petersburgo se viu chamuscada em seu glamour ao  perder o direito de ser a sede da próxima decisão da Liga dos Campeões da Europa. Ah, a Europa. No fundo parece ser ela que o insano russo mira nessa jogada  horrorosa. Capaz de entristecer até o Rei do Futebol que de seu leito em um hospital fez questão de lamentar que o mundo se visse novamente envolvido num lance desses. O Rei que encantou o mundo depois de decantado o pós guerra. O rei que foi aos Estates quando a guerra tinha se feito fria. 

A Rússia palco da última Copa. A Rússia que pelas mãos de Putin, o homem dado a cenas de exibicionismo e força,  usou e abusou do esporte. Sediando também uma olímpiada de inverno que custou mais do que a Copa do Brasil e a Olimpíada do Rio juntas.  Jogos que fizeram o  ditador disfarçado de presidente figurar na capa da Revista americana New Yorker e na inglesa The Economist. Na primeira aparecia em uma ilustração não apenas como patinador artístico mas também como os cinco jurados da própria performance dele.  Dizer mais o quê? Enquanto não esqueço que alhures as bombas explodem sonho com um futebol que mostre com grandes  atitudes que não é guerra. 

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