quinta-feira, 24 de março de 2022

Não me diga



Não sei direito quando foi que tudo começou. A única coisa que sei é que houve um tempo em que jogadores de futebol não colocavam a mão na frente da boca pra falar o que precisava ser dito. Ou o que queriam dizer.  Mas o que me espanta é a maneira como o ato é executado. Seria de se supor que envolvidos com algo que mexe tanto com a emoção em determinados momentos a última coisa que alguém lembraria ali no calor da hora é que alguém poderia,  mesmo sem ouvir, acabar por desvendar o que está sendo dito. A arma encontrada por boleiros e afins para fazer do futebol um mistério ainda maior para os não iniciados é eficaz. Disso não duvido. 

E, se a memória não me trai, essa onda começou com algum ocorrido envolvendo um treinador da Seleção Brasileira o que - por tabela - fez o caso ir parar no Fantástico.  Ou algo que o valha. Aos jovens peço que não estranhem, pois houve um tempo em que não existiam redes sociais, nem YouTube e o apogeu de um fato jornalístico se dava mesmo era no referido programa dominical. E disso ninguém duvidava. De lá pra cá outros momentos similares vieram à publico.  

Momentos que envolveram figuras como o técnico Wagner Mancini, que teria pedido a um de seus comandados para forçar um segundo cartão amarelo. Nenhum pecado, digamos, capital.  Mesmo porque na referida partida, um clássico entre Bahia e Vitória, a confusão foi generalizada, com direito a socos e pontapés. E meio mundo já tinha sido expulso.  Ou seja, nela se viu pecados que poderiam ser tidos como piores. Em outra ocasião, um empate entre Grêmio e Flamengo, a leitura labial acabou deixando a coisa meio esquisita pro lado de Renato Gaucho, que teria ouvido o auxiliar dele sugerir que Vitinho deveria ser tirado de campo. Até aí nada demais, se Vitinho não tivesse feito os dois gols do rubro-negro que de início ia perdendo por dois a zero. E se Renato não tivesse sido anteriormente treinador do time gaúcho na ocasião ameaçado um rebaixamento que viria a ser consumado. 

Fato é que a coisa se enraizou de tal modo que agora mesmo o papo descontraído entre os jogadores depois do apito final se dá com bocas tapadas.  O que será que se diz de tão valioso?  Ou proibido. Quero acreditar que temas estritamente pessoais não acabariam investigados por especialistas em leitura labial.  Se boa parte dos gestos se dá porque o palavreado não é polido, faça-me o favor.  Estamos cansados de saber que um campo de futebol não tem a polidez dos salões da Academia Brasileira de Letras.  Portanto,  diria aos boleiros que relaxem.  

Além do mais, estamos todos cansados de saber que conversas proibidas existem em qualquer profissão. Mas o que se diz no Supremo Tribunal Federal, no Congresso, nas Assembleias Legislativas nestes dias que correm também é transmitido ao vivo.  Acho que esse tipo de situação diz muito sobre a relação de atletas e comissões técnicas com a imprensa. Vale uma reflexão. Também não quero que entendam estas minhas linhas como uma recriminação. Cada um sabe bem onde o calo aperta, diz o dito popular.  

Como não custa lembrar que já houve casos em que a leitura labial serviu para apontar palavras que não deveriam ser ditas. Um deles quando o brasileiro Neymar acusou o zagueiro Álvaro González de ter lhe proferido uma ofensa racista em uma partida entre o PSG e o Olympique de Marselha. Enfim, pode até ser que você não veja um gol no próximo jogo do seu time, mas deixar de ver alguém em campo colocar a mão na boca preocupado com o que está sendo dito, isso chego a achar que será mais fácil de ver do que um gol.  

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