segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Declaração de pobreza


Dirá o alcaide Belo-horizontino, se confrontado, que o que disse é a mais pura realidade. Diante do valor dos ingressos e da pompa que passou a cercar as Arenas é difícil afirmar o contrário. Logo, dizer que estádio é pra rico e que pobre tem de assistir pela televisão pode até espelhar a realidade, mas diria que, antes de mais nada, espelha a mentalidade dos nossos dirigentes, há tempos catapultados a importantes cargos públicos pelo velho e sedutor jogo de bola. E ainda que o futebol tenha fincado raízes profundas em nossa terra graças a rapazes de nobre estirpe foi o povão que o fez grande. Tão grande que hoje em dia esse  jogo, apartado dos pobres, se bem analisado em termos culturais,  está longe de ter a magnitude que teve décadas atrás. E isso deveria ser uma preocupação. 

O raciocínio do Sr Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro, esconde a lógica que extinguiu a geral do Maracanã, a arquitetura siamesa dos estádios, o raciocínio mercadológico que reduz a ida a um jogo de futebol a uma "experiência" e a atmosfera fria que nasce dos lugares onde o público já não se faz plural. Mas que importa isso? Os donos do espetáculo sabem que têm as cartas na mão e seguirão faturando bonito custe o que custar um ingresso. A declaração é prova cabal também de que não é de hoje muito se faz em nome do futebol mas pra ele, verdadeiramente, quase nada. Mas quem é exatamente esse sujeito pobre que ele imagina vendo futebol pela tv hoje em dia? Nos tempos em que o futebol foi abraçado pelo povo a declaração faria todo o sentido.  O trabalhador chegava em casa e sabia que tinha garantido o direito de se divertir com a peleja que realmente  interessava. Nem sempre a do seu clube, mas a principal. 

Mas o tempo passou e o torcedor pra ver seu time em campo passou a ter de pagar uma TV a cabo. E o cabo lhe pareceu o paraíso.  Com as promessas da tv fechada achou que estaria livre da penitência que a TV aberta vinha lhe impondo: se ver apartado do seu time de coração quando ele jogava em casa. Lembrando aqueles dias agora a gente chega a conclusão de que o ingresso nunca foi barato. É que hoje ele passou a ser inviável seja qual for a mágica que o pobre faça para lhe arrumar um lugar no orçamento. E como os pobres desse nosso pretenso país do futebol foram bons nesse tipo de truque ! Fazendo, inclusive, não raro, nossos estádios pulsar no embalo de uns duzentos mil. 

 Mas quando tudo parecia resolvido o cabo passou a usar a tática um tanto perversa da TV aberta, então, para ver seu time de coração o torcedor passou a ter que comprar o pay-per-view. Olha, nunca um produto teve a alma tão explicitada pelo próprio nome. Nestes dias que correm a única salvação pro torcedor é ter tido a sorte de se reconhecer apaixonado por um time grande. Um desses times que os magos da tv aberta - verdadeiramente popular - vivem manipulando para obter audiência e cifras empolgantes. 

Enfim, não vamos aqui dizer que o citado cartola mentiu ao dizer que estádio é pra rico e que pobre tem que ver jogo pela televisão.  Minha única preocupação aqui é deixar claro que, a seguir por esse caminho não tardará o dia em que o futebol será definitivamente pra rico e que os pobres terão, como sempre, arrumado alguma outra forma de se divertir. Neste dia os cartolas estarão todos reunidos de charuto em punho ostentando seus números e o fato de terem feito o nosso velho e bom jogo de bola ter a aura fina de um jogo de golf.   

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