quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Torcedor de cátedra


O saudoso Zé do Rádio era, sem dúvida, um torcedor de cátedra

Gosto do papo cotidiano sobre futebol. Nem sempre educado. Quase sempre temperado de palavrões. Com o alcance brutal das coisas despidas de meias voltas. Outro dia dei de cara com o maior filósofo corintiano que conheço. Cabra simples. Mas que tem o time sempre muito bem pensado na cachola. Depois do boa tarde fui tirando uma onda. Disse ter percebido que nos últimos tempos ele tem evitado aparições nas rodas em que a conversa sobre futebol costuma correr solta. O sujeito teimou que não era nada disso e, sem perder tempo, foi soltando as pérolas que trazia consigo. Palavras dele, literais: tamô sem time, tamô mal, esse ano não vamô ganha nada. Mas... sei lá! Diz pra mim não é de cair o queixo? Nesse sei lá caberia o mundo, a costura de mais mil prosas. E o arremate ainda veio com aquele verniz opaco na forma de um aviso, o de que desde sempre o time dele tratou com essa condição de desacreditado. 

Não tardou e, no dia seguinte, ali na praia, água de cocô na mão, não dei de cara com o Cláudio que lá trabalha, são paulino, que entre um golpe e outro na casca dura da fruta deve andar com um sorriso no rosto que não se via há dezenas e dezenas de rodadas. Mas é bom que se diga que se trata de simpatia rara, dessas que jamais foi ameaçada pela fase dura que o time do Morumbi atravessou. E só um tricolor pra saber como o verbo no passado posto aqui soa como sinônimo de alívio. Devia-se, aliás, cunhar a expressão torcedor de cátedra. Pois nesses tipos é ela que cabe. Nos dias atuais em que a interpretação do jogo é banhada em números e afins os que ainda sabem destilar o bate bola usando como receita uma precisa combinação de coração e vivência e nada mais deveriam sair por aí dando aula. 

Agora mesmo deixei o lugar em que costumo almoçar e pude provar o gosto que o senhor Luiz Felipe Scolari anda dando aos palmeirenses. Entre o tempo que a máquina levou pra ler o código de barras da comanda e o rapaz me perguntar se queria o CPF na nota ouvi o avesso do que sugeriam artigos na internet e as matérias de jornal que tinha acabado de ler. Todas fazendo questão de lembrar que o Palmeiras  conquistar o Brasileirão a essa hora tem algo de quimera. Aí está o lance, o torcedor faz pouco caso do óbvio. É preciso entender essa lição. E olha que o papo desprezou os gols do Deyverson e as evidências de que Dudu está voltando  a ser aquele. O foco estava lá na frente. O encontro com o Botafogo - que o time tinha ontem à noite - era só uma breve escala.

Era dar conta dele e partir pro embate com o Inter no domingo. Ponderei que o time Colorado andava bem. Que estava dando um jeito de deixar o Beira-Rio lotado e que tudo indicava que guardava para o solene momento a estreia do atacante Guerrero. Ouviu tudo aquilo com o semblante de quem ouve um número de protocolo numa ligação de telemarketing. A teoria era: ganhar do Inter e aí segura, e ponto. Mas e o Beira-Rio, lotado? E o Guerrero esfregando as mãos pra brilhar na estreia? A réplica foi curta. Se esse ano já ganharam até na Bombonera não faria sentido nenhum ver temor nisso tudo. A gente sempre pode discordar. Arrisco até dizer que na maior parte das vezes em papos de futebol se faz isso só de picuinha. Mas isso é coisa para um torcedor de cátedra não pra um jornalista de carteirinha como eu. Bom, aí ele me deu boa tarde e foi cuidar da vida com cara de quem está louco pra ver o que vai dar domingo. 


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