sábado, 23 de junho de 2018

Nem prosa, nem poesia


Permita-me chegar sem meias palavras. Esperava mais da seleção de Tite. Em primeiro lugar pela crença no talento individual dos jogadores. Coisa na qual continuo tendo uma fé cega mesmo ciente de que atravessamos a era da exaltação do coletivo. E veja, isso não significa não reconhecer seu valor e importância. Mas nada como a realidade para dissolver nossas convicções. Nesse sentido testemunhar o sofrimento vivido por outras seleções de prestígio tidas como sérias candidatas ao triunfo-mor do futebol me fez baixar a bola. Digo mais, o início modesto e sem grandes arroubos pode ser até um bom indício. Estamos na média. Ter deitado e rolado logo de cara poderia ser sinal  de um apogeu prematuro. 

Seja como for, atravessei o primeiro tempo de Brasil e Costa Rica com a sensação incômoda de quem cruza um deserto. Que um esquema cauteloso neutralize um outro com sérias intenções de alcançar o gol adversário vá lá. Agora dar de cara com uma seleção tentando tratar disso sem a mínima pitada de improviso e ousadia sinceramente me soa pobre. Deixa a impressão de que o que tem nos roubado o horizonte é o excesso de obediência ao esquema. ada de um drible que soasse como surpresa, uma arrancada. Foi preciso meia hora de bola rolando pra sentir o time brasileiro vivo, com Neymar ficando frente a frente com o goleiro Navas. 

Tite, é claro, sacou o que se passava. E ao colocar Douglas Costa em campo no segundo tempo no lugar de Willian deixou transparecer que o Brasil necessitava realmente de algo diferente. Com Douglas Costa o lado direito, tão apagado, ganhou alguma importância no enredo da partida. Enfim, o Brasil que se via em campo parecia pulsar. Gabriel Jesus mandou a bola no travessão. Neymar por pouco não marcou. A essa altura a urgência da situação já tinha feito o treinador brasileiro tirar Paulinho de campo e dar a Roberto Firmino o lugar que era dele. 

Mas a sombra de um segundo empate seguido se agigantava e desafiava, principalmente, os nervos do camisa dez brasileiro. Neymar, como se não bastasse a atmosfera do jogo, andou às turras com o árbitro holandês e deve ter pensado ter lhe convencido das más intenções adversárias quando o viu marcar um penalti para o Brasil, sofrido por ele. Puro capricho do destino. Pois o holandês pediu ao assistente de vídeo pra rever a cena. Não tardou e voltou pra lhe dizer que tinha visto nela apenas uma encenação. Indignado com a decisão Neymar levou um cartão amarelo e provocou, por tabela, um outro, dado a Philippe Coutinho. 

Foi justamente nesse ponto da história que me veio a ideia do título acima,  já vou lhes dizer porque. Por falar em capricho do destino, quando tudo parecia perdido, o dono do apito - muito atento - levou em conta a cera dos costa riquenhos e decretou que o jogo teria mais seis minutos. No primeiro deles Coutinho fez um a zero. E quando até mesmo o sexto já tinha se passado, Douglas Costa, em gesto grandioso, tocou a bola pra Neymar fazer um gol que não tardaram a dizer poderá lhe fazer mudar de astral. 

Bom, é famosa aquela afirmação do cineasta italiano Pasolini  dizendo que o futebol brasileiro era poesia enquanto o praticado por outros era prosa. Foi-se o tempo em que o futebol brasileiro tido como arte atraia figuras desse porte como um imã. Não sou do tipo que se deixa levar pelo placar. Tendo visto o que vi até aqui não descarto a possibilidade do título, não faço juízo do choro doído do Neymar ou de seu silêncio. Só estou convencido de que nosso futebol atual não é nem prosa, nem poesia. Anda mesmo é com um quê de auto-ajuda. Se é que me entendem.            

Nenhum comentário: