quarta-feira, 8 de março de 2017

Seu futebol, sua vida

Foto: Antonio Alexandre Estre


Durante a minha infância e ainda na entrada da adolescência era sempre ele que se encarregava de fazer a bola rolar. Quando todos estavam naquela preguiça depois do almoço e a meninada se mostrava disposta a bater uma bola lá ia ele com a gente pro quintal ou para a praia. Nunca resistiu à brincadeira. Salvava a molecada do tédio e secretamente saciava uma vontade que tinha também. Quem o conhece sabe, sempre teve fome de bola.

Ao longo da vida foi dessas figuras indispensáveis para que o jogo aconteça. Aquele sujeito que trata de arranjar os uniformes, comprar a bola, acertar o local onde será travada a pelada. E, nesse caso, para desespero da minha tia, ainda levava o jogo de camisas pra lavar em casa. Devia ter prazer em vê-las tremular no varal. Agiu sempre como essa espécie de cartola informal que o jogo de bola sempre exigiu. Duvido que você não tenha conhecido alguém com vocação parecida ao longo da vida. Aquele amigo que sempre batia na sua porta com a bola embaixo do braço. Aquele que antes de se despedir fazia questão de lembrar uma vez mais que no dia seguinte tinha jogo contra a turma da rua de trás. 

Talvez seja poético demais, mas jamais será exagero dizer que boleiros com essa inclinação sempre foram verdadeiros semeadores de futebol. E que bem fizeram ao jogo ao longo da história! Logo, não foi à toa que a tristeza bateu quando, já aos setenta e dois anos de idade, o corpo reclamou dos movimentos que a brincadeira exigia. O bendito joelho, essa dobradiça tão vital. Só ela mesmo pra lhe fazer um ausente. Impedido de bater uma bolinha nunca foi o mesmo. Como poderia? Mas tratou de manter os laços como podia. Na sexta preparava a berinjela no azeite. As torradas. O petisco que ia acompanhar a cerveja depois da pelada. Não se deu por vencido. A paixão não deixaria. 

Encarou fisioterapia e até uma musculacãozinha. A barriga pronunciada nunca foi problema. E você pode duvidar, dizer que é história pra boi dormir, mas ele voltou, meu Tio Afonso voltou a jogar aos setenta e nove. O homem tá lá na meiuca, cheio de estilo, só distribuindo. Provando para os céticos que o campo é mesmo cheio de atalhos. E tem ido muito além deles, acreditem. Contou pra mim - com aquela empolgação que eu conheço desde moleque -  o que aprontou em campo outro dia ao ver o lateral descer em velocidade. Se adiantou um pouco. Teve a petulância de invadir a área. E quando mirou a bola vindo não resistiu. Se jogou na direção nela, de peixinho! A ousadia fez um silêncio súbito pairar no campo. Só quando teve que se levantar é que se deu conta do que tinha feito. Aos poucos os olhares preocupados foram sendo substituídos por outros que estampavam surpresa. Percebeu o risco que correu. Achou que valeu. Se sentiu um moleque de novo, vivo. Só ficou faltando o gol. Mas saibam: foi por pouco, muito pouco



dedicado ao meu Tio Afonso Estre

7 comentários:

Saturno disse...

Esse velhinho e demais sem palavras para tantos elogios que ele merece.puro ponta direita do Rachão.

Unknown disse...

Vladir, acredite sim. Estava em campo com o nosso Belinho neste maravilhoso dia e só faltou ele te contar dos aplausos. Aplausos que nos inspiram todos os sábados e depois do nosso FUTEBOL, sim futebol. Temos a resenha e as piadas que o Belinho nos conta, contagiando a todos. Obrigado Belinho pela sua alegria contagiante e por nos ensinar que o tempo passa, mas as nossa lembranças do FUTEBOL são eternas.

Abraços,
Ailton - Rachão da Madrugada.

Unknown disse...

E um prazer duvidir as manhas de sábado ao lado de um mestre sempre alegre nos incentivando dentro e fora do campo..
Belinho e muito bom contar com vc aos sábados ...
Vlamir rachao da madrugada

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Grande Belinho, é um prazer ter sua companhia todas as manhãs de sábado, vida eterna para vc...!!!

Vladir Lemos, jornalista disse...



Caros, Silvio, Vlamir, Ailton, grato pelas mensagens.
O homem é mesmo uma figuraça!!!

Abs