sexta-feira, 10 de julho de 2015

Um artista da bola


Há um trecho muito bonito no "Livro do desassossego", escrito por Fernando Pessoa, que desafia o leitor a notar que talvez haja mais beleza na derrota do que na vitória. Aliás, fica aqui a dica porque dias atrás um amigo me disse que está pra ser lançada uma edição ainda mais completa dessa obra. Lembro bem que quando li o tal texto pela primeira vez fiz questão de mostrá-lo logo ao Doutor Sócrates, que em muitos dos nossos encontros madrugada adentro defendia a teoria de que a derrota da seleção de 82 a fez maior do que uma vitória faria. E eu gostava muito de ver o Magrão falar daquilo, principalmente, por ser um ponto de vista que driblava, com classe, o óbvio. Verdade também, portanto, que o Magrão, antes do poeta português, foi o primeiro a me apontar que de algum modo vencer é estar vencido. E que há um desconforto reservado somente aos derrotados que obriga o homem a manter em si, intacta, a gana de ir além. 

Todas essas lembranças me vieram quando eu estava pensando no tão falado insucesso de Messi com a camisa da seleção argentina. Dizem, inclusive, que depois do terceiro vice-campeonato seguido ele tem pensado em renunciar à seleção por um tempo. É lógico, o pensamento tirado do livro de Pessoa não parece fazer o mínimo sentido nesse caso. Mas mesmo diante de uma constatação como essa ouso defender - com todas as letras - que a ausência de um triunfo dessa natureza em nada lhe diminui. Estou longe de aceitar a pobreza dos que tecem suas teorias a partir de um placar. 

Reconheço nesse argentino de porte físico modesto um gigante. Ou não tem sido Lionel Messi nos últimos tempos o maioral na arte de nos encantar ? Mal lhe ouvimos a voz. Ao contrário de outros, Messi dá a impressão de não estar nem aí para o que mostram os telões. Basta a ele  ter a bola nos pés, que desse encontro faz nascer, esbanjando precisão, uma maneira ímpar de se expressar. Por isso, na final contra o Chile cheguei a ver mais futebol e atitude no conjunto de jogadas mal sucedidas tentadas por ele do que em todo o resto. Talvez seja um exagero, claro. E no fim, me entristeci com seu ar desolado diante da cobrança de penalti desastrada de Higuaín que anunciava mais um insucesso dele com a camisa argentina. Insucesso? Aí eu pensei comigo: chega a ser cruel exigir um resultado de alguém que nos últimos anos, mais do que qualquer outro craque, se encarregou de manter viva a magia do futebol.     

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