quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Neymar e o novo Barça


Nunca achei que Neymar fosse ter vida fácil no Barcelona. E isso não tem nada a ver com o talento dele, que considero inquestionável. Mas sempre tive comigo a impressão de que ele precisaria de um tempo para se sentir à vontade e, mais do que isso, um tempo para conquistar a confiança de quem comanda o time dentro e fora de campo.

 Por esse motivo dei muita atenção às declarações de Cruyff sobre a chegada do outrora astro santista ao time catalão. Afinal, era o Cruyff falando. Na semana passada o holandês voltou a tocar no assunto. Dessa vez não insinuou, como fez tempos atrás, que não se pode colocar dois galos no galinheiro. Alusão à Messi e Neymar, claro. Traçou outra teoria.

Para o ex-jogador do Ajax e do próprio Barcelona não se trata de questionar o brasileiro e sim a consequência da chegada dele para o grupo. Segundo Cruyff o Barcelona tem um estilo de jogo no qual os que atuam pelas pontas são os que mais trabalham pelo time. E para ele Neymar não tem o jeitão trabalhador de um Pedro, por exemplo. Para Cruyff, quando você contrata um homem de frente muito ofensivo precisa de laterais defensivos, o que não é o caso do time catalão. A consequência disso seria um desequilíbrio.

Mas aí eu fiquei me perguntando: O futebol europeu não é o tal que prima pela obediência tática? E não seria uma boa causa domar um pouco o ímpeto ofensivo dos laterais para favorecer um jogador como Neymar? Bom, li as declarações de Cruyff pela manhã e vi o Barcelona jogar à tarde.

O adversário, tudo bem, era o Rayo Vallecano. Neymar esteve em campo durante oitenta minutos. A partida terminou em goleada. Quatro a zero para o Barcelona. Pedro, o trabalhador, também estava lá. Fez três dos quatro gols do Barça, um deles depois de receber passe do brasileiro em questão. O jogo nem tinha terminado e já soavam rumores de que o modo do time do Camp Nou jogar tinha mudado.

Feitas as contas , se descobriu que pela primeira vez em cinco anos o Barcelona deixava o campo sem ter ficado a maior parte do tempo com a bola nos pés. Cinco anos! Sabe lá o que é isso? Olha, se o Barcelona está se reinventando eu não sei, o que posso dizer é que sempre ouvi dos que conviveram com Neymar que o garoto é um boa praça, de fácil convivência. E, ao menos por enquanto, e mesmo diante das estatísticas, acredito mais nisso do que na reinvenção do Barcelona.

*artigo escrito para o jornal "A Tribuna", santos

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dá pra ser feliz?

Ser feliz a todo instante não passa de quimera. Tudo o que nos resta é se contentar com momentos de felicidade. E como de minha parte nunca tive essa pretensão, está de bom tamanho que assim seja. Também não tiro de ninguém o direito de tentar essa felicidade constante que os estudiosos julgam impossível. Mas não tem sujeito nesse mundo mais rebelde contra tal constatação do que o torcedor.

Vejam o caso dos corintianos. Imersos em glórias - que muitos alvinegros esperaram durante toda uma vida e não viram -, desfrutaram nos últimos tempos de uma felicidade tão longa para os padrões do futebol nacional que para os adversários ela teve (e ainda tem) ar de infinita. Um período tão próspero nesse sentido que há muito tempo a torcida corintiana não encontrava motivos para demonstrar com certa contundência o seu lado impiedoso, traço que em matéria de força só perde mesmo para sua histórica e reconhecida fidelidade.

Tudo bem que o futebol permita esse teatro do impossível. Afinal, até o mais ponderado cidadão quando se trata do jogo de bola parece se dar o direito de alimentar a esperança de renovar a felicidade a cada nova rodada. O que não me parece muito justo é questionar um técnico como Tite. Se um treinador que conquistou o que ele conquistou não merece apoio depois de uma série de três derrotas, ninguém há de merecer. Escrevo aqui imaginando como terá se apresentado o Corinthians diante da Ponte Preta, mas acima de tudo recordando a figura do treinador corintiano.

Tite, perto ou não de encerrar seu ciclo no comando do time do Parque São Jorge, terá deixado como legado não só as conquistas mas uma maneira de lidar com os anseios e com o gigantismo da nação corintiana. Quando se alcança conquistas expressivas assim, às vezes, o que se crava em nossa memória é um detalhe do jogo final, seu homem mais habilidoso ou decisivo, mais do que o nome do técnico. Coisa que possivelmente não irá acontecer em se tratando das inéditas conquistas da Libertadores e do Mundial. Tite deixou uma marca.

Poderia falar aqui em outras injustiças, como questionar o futebol eficiente e discreto do meia Danilo. Pensando bem, mais difícil e improvável do que ser feliz pra sempre é pensar que o futebol brasileiro um dia deixará de ser escravo do resultado, que um dia entenderemos o papel e a importância dos seus personagens muito além do placar.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O futebol tem voz?

Hoje à noite o São Paulo volta a campo, quarenta e oito horas depois de ter enfrentado o Náutico. Dessa vez terá pela frente o Criciúma. A maratona agora imposta ao São Paulo por ter se ausentado do país para disputar três jogos no exterior, sendo apenas um deles um compromisso oficial, vem sendo amplamente comentada. Rogério Ceni, após o empate com o Botafogo no final de semana lamentou. Disse que a Confederação Brasileira " não parece preocupada com os clubes". Todos nós sabemos que não é só uma questão de aparência. A CBF tem outras prioridades.

Mas pior do que não se preocupar com os clubes é não se preocupar com os atletas. Estudos já mostraram que o intervalo mínimo entre os jogos deve ser de setenta e duas horas. Antes disso é impossível que o atleta esteja totalmente recuperado do desgaste provocado por uma partida. Ora, se o São Paulo pôde fazer três jogos em quatro dias no exterior pode facilmente dar conta desse engarrafamento de jogos. Não tiro a razão de quem tem usado esse argumento. O que me chama a atenção é como as coisas vão sendo levadas.

O papel da CBF era ter consultado as possibilidades e dito que era impossível a liberação do jeito que o São Paulo queria porque não teria datas disponíveis, porque não poderia expor os atletas a esse tipo de exigência. Mas nunca o descontentamento com a organização do nosso futebol foi tão visível. Essa é a minha impressão. O que me alegra. Pois a sensação que tenho é de que esse descontentamento está fazendo o futebol ter voz.

Na última sexta acompanhei a coletiva do técnico Paulo Autuori, no centro de Treinamento do São Paulo. Autuori foi categórico ao comentar a realidade do futebol brasileiro em vários aspectos, principalmente, no que diz respeito a organização. Em certo momento disse o óbvio - mas que ninguém diz - sobre essa nossa eterna busca por voltar a ter o melhor futebol do mundo. "Com esse calendário?", questionou o treinador sãopaulino. Isso na mesma sexta-feira em que o presidente da CBF foi duramente questionado por Paulo André durante o Fórum Nacional do Esporte, realizado em São Paulo.

O zagueiro corintiano, pelo visto, não suportou o tom do discurso do dirigente sobre a vitória da seleção brasileira na Copa das Confederações. Fez questão de dizer:" Ganhamos, mas o nosso futebol vive uma crise existencial". Depois dessa dividida com o zagueiro corintiano, José Maria Marin, presidente da CBf, ainda foi questionado por Raí sobre a transparência com relação a organização da Copa no Brasil e também sobre a responsabilidade dos clubes e da Confederação na formação de garotos.

Marin se limitou a dizer que não pode interferir na gestão dos clubes. Respeitoso, não? Ouviu de Raí que não se tratava de uma questão técnica. "É uma responsabilidade sobre o garoto. Os meninos das categorias de base moram nos clubes e não existe nenhuma regra básica para lidar com eles", fez questão de destacar o ídolo tricolor. Será um devaneio meu, ou será que o futebol brasileiro está mesmo começando a ter voz ?