quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Treino é treino, jogo é jogo?


De tão surreal o momento atual da nossa seleção conseguiu destruir a lógica de uma das frases mais emblemáticas do nosso futebol. Falo de uma frase pra lá de famosa cunhada por mestre Didi, o inventor da folha-seca, e integrante do time que nos deu o primeiro título mundial em 1958. Pelo que li teria sido ao dar uma entrevista para a revista Manchete Esportiva em maio daquele ano, que Didi, acusado de não estar fazendo tudo o que podia durante os preparativos para a Copa da Suécia, em tom de desabafo, decretou: "treino é treino, jogo é jogo".

Sempre gostei de frases. Considero uma arte nobre condensar sabedoria. Ou vocês não concordam que quando alguém diz, como Millôr dizia, que " quem mata o tempo não é assassino mas sim um suicida", não estava sendo sábio?

O interessante é que a autoria da frase dita por Didi muitas vezes me driblou. Não foram poucas as vezes que a considerei obra de Neném Prancha, o lendário olheiro, massagista e treinador brasileiro que por sua capacidade ímpar de, digamos, sintetizar ensinamentos acabaria batizado por Armando Nogueira como o Filósofo do Futebol. Neném, dizem, tinha até uma frase sobre Didi. Ele teria dito certa vez o seguinte: "O Didi joga bola como quem chupa laranja, com muito carinho".

Creio que a razão dessa confusão foi o fato de saber que Neném, sem alcançar sucesso entre profissionais, acabou se envolvendo com o futebol de praia. E em que lugar mais do que na praia uma frase dessas faria sentido? Lembro bem da minha época de moleque quando os jogos nas areias pareciam muitas vezes um sem fim de treinos para um jogo importante que estaria por vir, e que muitas vezes demorava pra acontecer. É, só que quando chegava nos fazia viver outras emoções, outra realidade.

Mas voltemos ao ponto central de toda essa reflexão. Ao assistir o jogo entre Brasil e China já tinha ficado com essa impressão. Aí veio o contra o Iraque e me convenceu de vez. Aquilo não era um jogo, era um treino. Só podia ser. Como classificar o que se viu? Contra o Japão, tudo bem, a coisa pode ter mudado de figura. Os japoneses podiam não estar em dia dos mais inspirados. Mas a partir de agora não ousarei mais usar a famosa frase de Didi. Estou convencido de que um jogo pode, sim, ser um treino. Pode até ser menos do que isso. E não há rancor na observação.

Reconheço a evolução no time brasileiro, modesta, mas reconheço. Como não temos eliminatórias e as principais seleções não podem nos enfrentar por várias questões, padecemos nesse mar de treinos, com todo mundo tentando nos convencer de que são jogos. Enquanto isso as agendas das outras seleções continuam tendo adversários mais expressivos do que os nossos. Por que será? Neném Prancha, que muita gente chegou a achar que era um personagem inventado, teria dito também que "jogador bom é que nem sorveteria: tem várias qualidades". Ora, adversários também

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