quinta-feira, 12 de abril de 2012

Santos, o enfeitiçado

Na semana que vem quando a gente se encontrar o Santos já será um time centenário. E eu não poderia deixar essa oportunidade passar, ainda mais quando o dia que se aproxima deixa no ar essa ilusão de que posso me adiantar ao tempo, chegar na frente dele como se fosse um Neymar.

Olha, já vi muita gente boa de letra, de escrita, coçar a cabeça quando recebe a missão de escrever sobre Pelé. E escrever sobre o Santos em momento tão solene parece desafio similar. Não quero ser bairrista, principalmente, para não ferir a alma do Santos, para não ficar na contra-mão da história do clube, que apesar de estar ali, na Vila Belmiro, há tempos se fez do mundo.

Há Santos espalhados por tudo quanto é canto desse planeta. Da Paraíba a Belfast. De Santa Catarina a África do Sul. O Santos, do Amapá. O Santos Laguna, do México. O tal deus do futebol, se existe mesmo, foi ao criar o Santos que deixou transbordar seus caprichos. Muitas equipes são míticas, mas apenas uma delas pode dizer que teve o mito. E apenas esse detalhe já seria mais do que suficiente pra fazê-lo diferente de todos os outros.

Além do mais, centenários nem sempre são antecedidos por dias que envaidecem a torcida. Que o diga o Flamengo. Mas ao Santos foi dado até esse direito. Altivo, vai se aproximando dos 100 com a elegância de sempre, campeão da América. Seus craques - que construíram esse imenso patrimônio abstrato feito de suor e dribles - seduziram desde o início.

Hoje quase ninguém lembra, mas o time que leva o nome da vizinha São Vicente um dia se chamou Feitiço. Feitiço era o apelido de Luis Matoso, um goleador que, dizem, não tinha pudor em bater na bola de bico. Nos idos da década de 1920 era ele, nascido no bairro paulistano do Bixiga, em São Paulo, um dos grandes nomes do Peixe. E era também o grande ídolo de um grupo de jovens que se reunia perto da Biquinha pra jogar bola.

No dia em que esse grupo de jovens decidiu fundar um time o nome veio rápido, se bobear não precisaram nem pensar duas vezes para batizar o escrete de Feitiço. O Feitiço Atlético Clube só iria passar a se chamar São Vicente Atlético Clube algumas décadas depois. E do jeito que a coisa anda não duvido que em breve apareça por aí um Neymar Futebol Clube.

Torço para que as novas gerações tenham consciência do que o Santos Futebol Clube representa, de todo compromisso que se encerra no ato banal de vestir uma camisa, se essa camisa for do time da Vila. E não falo com o ranço de toda caretice que costuma impregnar instituições. Falo em honrar a beleza que permeia essa longa trajetória, pra que a Vila continue sendo um reino onde o talento sempre foi mais cultuado do que a raça.

Ao Santos nunca foram dadas certas alcunhas. O Santos nunca foi chamado de academia, mas não resta dúvida de que poderia. Nos dias de hoje quando vejo o Edu caminhando à beira-mar, quando dou de cara com Mengálvio sentado em uma cadeira de praia com olhar vago, quando encontro a figura de Zito ou o boa-praça José Macia, o Pepe, caminhando por aí, vem a mim uma sensação difícil de descrever. É como se estivesse vendo mais do que homens.

No fundo sei bem o que é. É essa história bonita que se derrama invisivelmente sobre eles. O Santos dos homens, o Santos dos meninos. E eu aqui, em silêncio, penso: Feitiço! Que palavra tão afinada com tudo isso.



* artigo publicado no jornal " A Tribuna", Santos

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