sábado, 5 de dezembro de 2009

Ó tricolor

Na sexta ele tinha nos olhos o brilho de quem enxerga um triunfo muito próximo. Despediu-se de todos com a gentileza de sempre. E partiu. Confiante. Durante toda a tarde tinha falado de futebol do seu jeito. Calmo, sereno. Em conversas um tanto reservadas, fez indagações aos mais próximos sobre como seria o final do campeonato.

Eu, que o conheço um pouco, sei que ele tem pelo futebol um misto de paixão e preocupação. Não gosta de nada que atente contra os bons costumes quando se fala de bola. No trato diário tenho com ele a liberdade de chamá-lo de "Excelência". Foi a maneira divertida que encontrei de homenagear e enaltecer a sua polidez. Quisera todas as Excelências fossem assim.

Fala mansa, muito mansa, uma barba branca bem cuidada, e no rosto traços que sempre sugerem um sorriso. Não se trata de um fanático, não. Mas tempos atrás quando uma grande fabricante de refrigerantes colocou alguns camarotes do Morumbi à venda, acompanhou com muita atenção lance a lance. Quem sabe não seria possível conquistar um lugar por lá. Tal interesse encontra explicação no passado. Terminado o primeiro casamento teve que ouvir, de coração partido, a ex pedir de volta aquela cadeira cativa no Cícero Pompeu de Toledo. Aquela que ele curtia mais do que ninguém. Coisa de família, disse ela. A vida é assim. Só algumas paixões permanecem. Nada que o impedisse de continuar sendo um habitué a cada momento decisivo.

Falo, claro, de um amigo sãopaulino. Segunda-feira, mal tinha pisado no serviço encontrou pela frente o primeiro engraçadinho pelo caminho. Era o ônus de ter sido o que mais perdeu na penúltima rodada. Ouviu palavras educadas, mas carregadas de cinismo, de sarro. Ponderou, como é do seu feitio. Não deixou provocação sem resposta. Encerrou a desconfortável conversa lembrando uma frase dita pela atual esposa: "Hoje é o São Paulo que faz alegria do povão". Veneno puro. Já não trazia nos olhos o brilho de antes. Seguiu caminho.

Ao se deparar comigo, pouco depois, disse com tom conformado - e irritado ao mesmo tempo - que agora o Borges e o Dagoberto podiam voltar. Deixou transparecer satisfação ao comentar a atuação de Washington. Concordei. Em seguida opinei. Tinha faltado feeling ao Marlos, que uma vez em campo, deixou a nítida impressão de não ter entendido a tarde que o camisa nove tricolor estava vivendo. Tivesse ele se tocado que o atacante estava num dia bom, em algumas jogadas teria optado pelo passe e não pela finalização. Ele ouviu. Assentiu. Deu a entender que não esperava nada do Marlos.

Eu pensei. Não deve ser fácil acostumar com a ausência de um título depois da euforia de um tricampeonato. Ainda mais quando se teve tão perto do quarto. Mas eu o conheço, se trata de um místico. Alguém que acredita nos astros. Só irá admitir que tudo acabou quando o som do apito do juiz decretar o fim neste domingo. Ó tricolor, és mesmo um clube bem amado. Mas a vez, por hora, sugere uma conquista do adversário rubro-negra. E momentos assim não costumam fazer parte dos hinos

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