sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O timão no Bar do Zé Ladrão



Vocês dirão que andei sonhando. Mas a verdade é que voltei ao Bar do Zé Ladrão. A saudade só não era maior do que a prosa que se desfia por lá. Atrás do balcão o Zé ostentava a elegância de sempre. O avental de um azul puxando pro claro parecia lavado. As meias de compressão  tinham brilho de novas, e só as pude ver quando ele deixou a posição em que joga para mexer na pilha de caixas de cerveja que sempre fizeram parte da decoração. Tinha notado também o bigode bem aparado.  Por um instante tive a impressão de que intuiu que receberia visita incomum. No fundo, perto da entrada do banheiro, notei exposto o distintivo da Portuguesa de Desportos. Não era pra menos. Pra quem não sabe, ou não lembra, Seo Zé é corintiano, mas com mais de meio século no ofício encontrou um meio muito eficaz de espantar assuntos incômodos. Tem lá na parede de trás um distintivo do Timão, que guarda no verso um outro, da Lusa. 

Quando o humor ou o time alvinegro vão mal é só ele virar e fazer o teatro. Os desavisados normalmente chegam com o sarro pronto. Mas nem bem começam a tecer a graça o hómi se finge de ocupado, dispara um olhar de desdém, e emenda:

_ E eu lá quero saber do Corinthians? Quero saber é da Lusa.

O sujeito insiste. Diz que ele tá de graça. E aí vem o golpe final. Com a faca que usa para preparar os petiscos na mão sugere um olhar na tal direção.

_  Aquilo é enfeite, né? Afinal, todo mundo sabe que eu sou chinês - e encena uma cara de bravo pra completar.

Rapaz, o português é afiado. Mas eu, que o conheço bem, não resisto. Sem ninguém perceber dou uma cutucada. Primeiro faço uma observação a respeito do trabalho de Dorival Júnior. A quem ele não 
condena mas também não absolve.  E na sequência é minha vez de jogar duro:

_ E o Menphis, Zé? É post pra lá, post pra cá. Esquisito!

_ Pois é, devia virar influencer. Se acha malandro. Só precisava jogar bola. Ó, vou te dizer uma coisa: não durava um dia na Calábria.

Pra quem não sabe, a Calábria citada ficava, décadas atrás, ali onde a Rua Monte Alegre hoje se faz sem saída. Um baixio acentuado das Perdizes, na capital paulista. E onde o Zé, com toda a sua malandragem em tempos idos dizia não gostar nem de passar perto. Pois as famílias ali além de temperamentais eram boas de briga. Foi aí que notei que na ponta do balcão, mais perto da rua, Alfredinho, o juventino, com sua cerveja solo, filmava todo nosso papo. Lançou pra mim um sorriso dissimulado. Notou que o sujeito que tinha sido driblado pelo Zé já tinha engatado outra conversa e, então, com a discrição que sempre teve, disse:

_Zé, sabe o que é? O escriba aí anda com inveja dos nossos times. O Juventus virou SAF, a Portuguesa virou SAF. E o time dele que, todo mundo sabe, tá louco para se jogar na mão de um investidor anda tratando do tema aqui. Fazendo uma reunião ali. Enquanto a maré da zona do rebaixamento vai ameaçando subir.    

É por essas e outras que eu vou dizer pra vocês que tenho de voltar lá. Fiz o possível pra convencer meus amigos de que era torcedor da Portuguesa Santista. Mas a cada argumento recebia de volta uma risadinha, como acontece sempre. Eu não sei porque quase todo mundo do dúvida. Mas desconfio, é porque eu sou neto de chinês, né!?  

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