Se tem uma coisa para a qual a última janela da transferências serviu foi para mostrar que o futebol é mesmo um mundo à parte. Sabemos disso faz tempo, mas neste momento em que guerras e chantagens tarifárias colocam o planeta em ebulição e testam a lucidez da economia poderia ser até normal a constatação de que o período de negociações de atletas foi o maior da história, afinal, o mercado tem dessas, é um monstro insaciável que exige sempre que as cifras não se acomodem custe isso o que custar. Mas ocorre que os cinquenta e três bilhões que foram movimentados, segundo a FIFA, representaram um crescimento de cinquenta por cento em relação ao mesmo período do ano passado. Um desempenho que deve causar inveja em muitos investidores graúdos por esse mundão afora.
Desse montante , dezesseis bilhões foram investidos pelos ingleses, que também foram os que mais venderam atletas, seguidos por Portugal e, vejam, pelo Brasil. E é aí que eu quero chegar porque ainda que comprar e vender seja do jogo, são ações com consequências infinitamente distintas. E ainda que eu tenha pra mim que boa parte das vezes nossos clubes comprem muito mal é na hora de vender que em geral se torna explícita nossa falta de apuro para esse tipo de negócio. Já posso imaginar um mandatário qualquer, com ar de enfado, tentando me explicar que o futebol aqui nestas terras tem suas peculiaridades e se a gente não vende as contas não fecham. A quem eu responderia, com uma inocência sacana, que se a nossa realidade continua sendo essa depois de passadas tantas décadas - e em termos tão gritantes - é porque administrativamente mal evoluímos.
E mesmo os clubes bem sucedidos da hora, para os quais esse argumento que sugere uma corda no pescoço já não faria sentido, poderiam muito bem ser colocados na prateleira dos que nem sempre compram bem, ou dos que aceitam pagar muito. Mas como a economia do futebol é tão singular, se é que me entendem, essas suposições sempre se verão fundadas em terreno movediço. Já sobre as vendas, usando a memória dos fatos, talvez seja mais fácil encontrar uma base sólida para ancorá-las. Vamos ao caso do jovem atacante do Santos, Luca Meirelles, de dezoito anos, vendido para o já conhecido porto de talentos brasileiros chamado Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Destino que teve também o jovem Lucas Ferreira, do São Paulo. A grita das duas torcidas foi grande, e não era para menos. No caso do tricolor, as negociatas desse tipo, digamos, precoce, levaram também Henrique Carmo e Matheus Alves, ao CSKA da Rússia. Tão similar quanto o perfil das mercadorias é o perfil dos compradores. O que nos leva a crer que nesse meio difícil mesmo é driblar o caminho da grana.
E nem vou cair naquele lugar comum e dizer que esse tipo de negócio drena o talento do futebol brasileiro. Ou apontar que o Palmeiras, ao vender o zagueiro Vitor Reis, de dezenove anos, para o Manchester City, no último janeiro, o fez por um valor praticamente igual ao que o São Paulo amealhou vendendo cinco das suas joias. E por falar em Palmeiras, dias atrás a transação feita com um outro jogador do time alviverde voltou a escancarar como é manjada a rota que muitos times brasileiros reservam aos seus talentos. Vendido ao tal Shakhtar um ano e pouco atrás por treze milhões de euros, o ponta Kevin acaba de sair de lá para o Fulham, da Inglaterra, por quarenta milhões. Outro negócio da China, como diriam em outros tempos. E não venham me falar de tudo que o Shakhtar conseguiu nos últimos anos, que passou a ter alguma relevância no mundo da bola porque, muito além das questões esportivas, não entra na minha cabeça que venha a ser ideal mandar garotos para países em guerra. O talento deles deveria ser mais bem tratado, mas o destino deles mais ainda.
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