sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Pra dar o que falar



Se tem uma questão com a qual podemos concordar é que não é por falta de reflexão que o futebol não anda. Sou levado a crer que não há assunto neste país tão debatido, tão interpretado... tão falado. O que por outro lado talvez explique porque as coisas não andam dando certo nestas plagas. Há muito tema para além das quatro linhas que mereciam tamanha atenção. E que por tabela possivelmente fizessem nosso futebol prosperar. Pois olha, está arriscado a levar uma bola nas costas quem desacredita que o jogo de bola não é, ainda que por vias tortas, um reflexo da sociedade em que está inserido. 

Vejo inclusive no cenário da crônica em geral um viés muito obvio - mas que deveria causar preocupação - que é o fato de que as pessoas hoje em dia parecem se importar mais com a opinião do que com a informação propriamente dita. Busca-se, antes de tudo, um ponto de vista para a partir dele travar um embate mental com o que foi posto. Ocorre que como ressaltava uma velha propaganda de jornal : é possível dizer muitas mentiras partindo de verdades. Minha avó Lucila, mulher sábia, professora, violinista, observadora pra lá de atenta, toda vez que ouvia uma bobagem se apressava a dizer que a fala nos devia ser dada em metros, que era pra se pensar muito antes de usá-la. E eu, garoto novo, demorei um pouco para sacar a inteireza do que ela propunha. 

Mas a velha senhora, taxativa, tratou de esmiuçar o raciocínio dizendo, por exemplo, que era só eu imaginar que cada um teria dois metros de fala por dia. Aí se saísse gastando como  louco acabaria ficando sem depressa. A limitação seria remédio eficaz para provocar o bom uso, essa era a teoria na qual vovó acreditava com fervor. E se coloco esse tema na mesa quando mal está terminada a vossa ceia é porque o que anda sendo dito espanta. Vocês devem lembrar o caso do Dorival Júnior que fez nascer manchetes. Disse o treinador da Seleção Brasileira, enquanto o futebol apresentado por ela não vingava, que estaremos na final da Copa do Mundo de 2026. 

Eis aí um caso em que se a fala tivesse sido dada em metros talvez não tivesse sido ouvido. Dorival em outro momento, e não deve ter sido por acaso, disse com todas as letras que os que falam muito - vejam bem, os que falam muito! - daqui há dois anos terão de engolir uma grande conquista. A ver. Também poderia citar Renato Gaúcho, que semanas atrás num acesso de modéstia disse: eu sou muito bom. Gostaria de acreditar nele, mas pouco depois ouvi Pep Guardiola afirmar que não era bom o bastante. E se o gênio não é bom o bastante que dirá Renato Gaúcho. 

Vovó a essa altura, estivesse entre nós, iria sugerir que os dois metros fossem reduzidos a quinze centímetros.  Ah, e a mais nova pérola nessa linha foi obra do treinador de Luís Zubeldía. O emotivo treinador são-paulino cravou um: seremos campeões da América. O que me faz concluir que não foi à toa que o " Fala muito" de Tite fez tamanho sucesso. Fato é que na ausência de limites cada um segue falando o que bem entender. Já no caso da escrita, fiquem tranquilo, pois em geral não passo de comedidos dois mil e novecentos toques por semana. E que o novo ano que chega seja o melhor de todos!  

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