quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Andar com fé



Se tem uma coisa que me chamou a atenção nesse breve tempo em que deixamos de nos encontrar é como a tal Mega-Sena da virada vai ano após ano ganhando destaque nessa fronteira entre os anos. Dizem que sonhar não custa nada, mas sonhar com essas tais centenas de milhões de reais sem ter feito uma aposta não é sonho é sandice. Donde concluo que esse sonho tem seu preço. Aliás, que muitos topam pagar como podemos concluir pelo tamanho da bolada. Nossa realidade cruel, não dá pra negar, certamente contribui deveras pra esse quadro. A loteria , creio, cumpre o papel de uma espécie de último recurso em busca da felicidade ou, mais humildemente, em busca de uma vida digna. Por mais que nunca nos tenha faltado aviso de que a felicidade não se compra. 

Enfim, muito foi noticiado. O adeus ao velho lobo, Zagallo. O adeus ao cultuado Beckenbauer. A chegada de Dorival Júnior ao comando da Seleção Brasileira. Eu disse pra vocês que só acreditava na chegada de Ancelotti quando o visse de agasalho dando treino na Granja Comari, não disse? Essa sempre me pareceu uma cena difícil de se materializar. E pelo andar da carruagem jamais se materializará. Mas falando nas manchetes que ocuparam esta nossa lacuna, nenhuma me desafiou mais do que aquela que dizia que os brasileiros tinham gasto mais de 50 bilhões de reais em apostas on-line em 2023. Pensando bem não deveria, afinal, somos o povo que consagrou a aposta como uma espécie de fé. E que discorde aquele que nunca fez uma fézinha. 

E se digo que a notícia me desafiou é porque se trata de um número colossal. E talvez a maior parte das pessoas não tenha ideia do que ele representa. Como ainda não temos os números fechados de 2023 levemos em conta o exercício anterior. Em 2022 todas as loterias oficiais do país juntas foram responsáveis por uma arrecadação de 23,2 bilhões de reais. Menos da metade do faturamento das apostas on-line. E, vejam, foram números muito significativos  que representaram  a maior arrecadação da história. E justamente no ano em que a loteria pública brasileira completava sessenta anos de existência. Mais espantoso ainda se faz a realidade se levarmos em conta que até outro dia praticamente nem se falava em apostas on-line. 

Volto a insistir no papel que a nossa realidade social tem nisso tudo porque esse recorde histórico significou também um aumento de vinte e cinco por cento em relação ao ano anterior.  Um crescimento vertiginoso para algo tão estabelecido. E pensar que chegamos a esse cenário com todas essas empresas de apostas operando fora do nosso país. A regulamentação só agora está virando uma realidade e, ouso dizer, uma realidade ainda não totalmente estabelecida. Quase metade desse recorde histórico foi obra da Mega-Sena que em apenas um mês faturou mais do que o ECAD, nossa entidade responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais de músicos e músicas. O que não deveria espantar já que somos um povo que gasta treze vezes mais com apostas lotéricas do que indo ao cinema. Mas por falar em música, não custa lembrar que quando Gilberto Gil canta que anda com fé, pois a fé não costuma falhar, está falando de algo mais transcendental do que uma aposta. Apostas, quase sempre, falham.

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